Saudades de Raquel de Queiroz

Arnaldo Niskier - 2024-01-10

Ela foi notável escritora. Além de ter sido mulher de dotes excepcionais. Tive o privilégio do convívio, que se estreitou quando me candidatei à Academia Brasileira de Letras. Rachel gostou da ideia e ajudou na campanha. Tornou-se minha madrinha e, por isso, a convidei para me receber, depois da eleição que contou com a sua entusiástica participação. Fez um discurso lindíssimo, com a única ressalva de que reclamou do fato de eu não ser vascaíno...

Dela, disse Gilberto Amado: “Uma produção tão perfeita e tão pura que continua, sozinha, inigualada, tempos afora.” Antes, sobre o clássico “O Quinze”, colocou Rachel entre os mestres da arte de escrever: “Ela não se descuida dos deveres da sua arte. Ao por no papel uma palavra sabe de onde ela vem e o que ela quer dizer.”

Recebi uma cópia do “O Quinze”, em 1982, na comemoração do seu cinquentenário, devidamente autografado. Quanta emoção, não é? Na quarta capa, fazendo referência ao romance “Dora, Doralina”, Dinah Silveira de Queiroz elogia Rachel: “Ela nos aparece agora com um romance deslumbrante, de vivíssimas mutações, com um desdobrar de cenas todo novo, no prodígio da revelação do escritor em sua glória maior.”

Tive a alegria de receber Rachel em casa, sobretudo nas comemorações judaicas (Páscoa, Ano Novo). Ela era apreciadora da nossa culinária, mas tinha também uma especial simpatia pelo povo judeu: “Sinto que sou uma velha senhora sionista.” Com essas características foi recebida no Estado de Israel. Ganhou um bosque com o seu nome e muitas homenagens.

Nos livros que escreveu, como boa nordestina, sempre demonstrou uma clara fixação pelo sol. Lembro-me da sua descrição do pôr-do-sol no sertão, quando Chico Bento resolve ir para o Acre. E uma frase que não saiu do meu pensamento: “Fome demais tira o juízo.”

Professora primária, categoria que sempre defendeu, mesmo quando chegou à idade adulta e se transferiu do Ceará para o Rio de Janeiro, onde brilhou nas páginas da revista “O Cruzeiro”, Rachel dizia que as normalistas tinham uma “aspereza espevitada”. Era fã incondicional do magistério – e isso ajudou a nos unir para a vida toda.