A Briga com Lima Barreto


Arnaldo Niskier

 

Criticava-se em Coelho Neto o gosto por termos incomuns. Podemos dar exemplos, recolhidos do livro sobre as suas melhores crônicas, selecionadas por Ubiratan Machado (Global Editora, SP, 2009). Com tais vocábulos ele intrigava os seus leitores:

Mal o oriente se arreia com as primeiras colgaduras da manhã...” (Tonitruosa Urbs, 1923).

Lembrando-me dos tais cínipes que o famoso condutor de Israel (Moisés) espalhou no Egito...” (Para o Rei Alberto ver o que é bom, 1922).

Comparem-se as adiposas cativas dos serralhos com as canéforas da frisa do Partenon – umas, confinadas em estufilhas mornas; outras soltas, ao ar livre...” (O esporte e a beleza, 1926).

Vamos aprender a dar murros – é esporte elegante, porque a gente precisa de luvas, rende dólares e chama-se boxe, nome inglês. Capoeira é coisa de galinha, que o digam os que dele saem com galos empoleirados no alto da sinagoga.” (O nosso jogo, 1928).

Na verdade, Coelho Neto era um aficionado do futebol. Escreveu sobre o esporte bretão uma série inesquecível de grandes crônicas, o que o levou a uma profunda inimizade com o escritor carioca Lima Barreto. Dado curioso: na época, membro da aristocracia fluminense, Coelho Neto considerava o futebol um esporte nobre e educativo (achava os jogadores herois e semideuses e adorava a rivalidade das torcidas), enquanto Lima Barreto, autor do clássico O triste fim de Policarpo Quaresma, homem do povo, detestava o futebol, por ele considerado “uma regressão à barbárie”. Chegava ao excesso de afirmar, como um precoce Nelson Rodrigues, que o futebol tinha sido responsável pela eclosão da I Guerra Mundial.

A opinião de Lima Barreto, em 1919, era contundente: “O sr. Coelho Neto é o sujeito mais nefasto que tem aparecido em nosso meio intelectual. Sem visão da nossa vida, sem simpatia por ela, sem vigor de estudos, sem um critério filosófico ou social seguro, o sr. Neto transformou toda a arte de escrever em pura chinoiserie de estilo e fraseado.” A resposta de Coelho Neto foi o aprofundamento nas questões do futebol, de que o Brasil depois viria a ser pentacampeão mundial. Ele parece ter preconizado essa glória nacional.

Isso tudo apesar do receio, manifestado em 1904, em Frutos do tempo, de que estávamos começando a receber uma influência preocupante de novos homens: “Onde, antigamente, chorava em farrapos o crioulinho nu, filho do escravo, vage agora o bambino rosado e louro, abençoado por este sol admirável. Vai-se a língua cruzando – vocábulos exóticos ressoam estranhamente em frases portuguesas, é a lenta invasão das palavras; já se não ouve o ressoo soturno dos tambores nagôs; agora é o estrepitar das castanholas, ou o adufar dos pandeiros napolitanos.”