Poesia nas ruas


Arnaldo Niskier

Por uma natural associação de ideias, lembrei-me dos anúncios que enfeitavam os bondes do Rio de Janeiro. Quem tinha o privilégio de sentar nos seus bancos de madeira, poderia distrair a vista em reclames (como eram chamados, na época) de bom-gosto, alguns dos quais tornaram-se célebres, como o do Rhum Creosotado: “Veja o ilustre passageiro/ O belo tipo faceiro/ Que o senhor tem ao seu lado/ Mas no entretanto acredite/ Quase morreu de bronquite/ Salvou-o o Rhum Creosotado.” Mesmo que a bronquite pudesse piorar com o emprego equivocado do “no entretanto”, era um versinho de fácil apreensão e cumpria o seu papel de fazer propaganda do produto da moda.
 
Agora, por iniciativa do acadêmico Marcos Vilaça, presidente da Academia Brasileira de Letras, preocupado em aproximar a instituição cada vez mais do povo, a poesia pega carona nos 8.600 ônibus da cidade. A parceria com a Rio Ônibus prevê a fixação de cartazes no interior dos veículos, com a divulgação de obras de poetas brasileiros. A primeira leva selecionou trabalhos de Machado de Assis, Olavo Bilac, Coelho Neto, Gonçalves Dias, Luís Guimarães Jr., Raimundo Correa, Cruz e Souza e Mário Pedrneiras, dentro de um projeto cultural denominado “Circulando Cultura”.
 
“A poesia nos ônibus é importante como elemento motivador, porque provoca uma leitura prazerosa. A curiosidade de ler um poema enquanto viaja pode estimular, quem sabe, a procura por um livro”, comentou o acadêmico Domício Proença, que colaborou na difícil seleção das primeiras oito obras de um total de 400 poemas, todos eles de domínio público.
 
Diariamente, cerca de 3,5 milhões de pessoas são alcançadas pela iniciativa. Os textos serão trocados de dois em dois meses, sempre com o mesmo objetivo de estimular a leitura dos livros desses autores consagrados.
 
Por serem autores de outras épocas, é comum os passageiros matarem as saudades dos tempos da infância, com a leitura, por exemplo, do “Círculo Vicioso”, de Machado de Assis: “Bailando no ar, gemia inquieto um vagalume: “Quem me dera que fosse aquela loura estrela/ Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!/ Mas a estrela, fitando a lua com ciúme:/ — Pudesse eu copiar o transparente lume...”
 
Ou recordar Coelho Neto, com o seu imbatível “Ser mãe”: “Ser mãe é padecer num paraíso...” Chegar a Raimundo Correa: “Vai-se a primeira pomba...” Experimentar o gosto do parnasianismo de Olavo Bilac, o príncipe dos poetas brasileiros, com o seu “Soneto”. Sentir a “Piedade” de Cruz e Souza ou percorrer o “Suave caminho”, de Mário Pederneiras; acompanhar Luís Guimarães Jr. na sua “Visita à casa paterna”, para finalmente vibrar com a famosa “Canção do exílio”, do poeta maranhense Gonçalves Dias:
 
“Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá.”
Em breve, virão outros poetas, igualmente inesquecíveis, que irão enfeitar o interior dos nossos ônibus, levando cultura ao povo.