O que dizem as ruas
Arnaldo Niskier
Para uma análise mais concreta das manifestações de hoje em dia, observamos uma série de cartazes exibidos nas ruas, para medir as reivindicações populares. Uma delas já foi resolvida, que é a derrubada estrondosa da PEC 37, revertendo a jato uma expectativa que era exatamente a oposta do que aconteceu. Ninguém vai mais mexer nas atuais tarefas do Ministério Público. Ponto para os jovens.
Outro item que mereceu resposta rápida foi o que se refere aos recursos para a educação. O governo chegou a propor que o setor ficasse com 100% dos royalties do petróleo. A Câmara dos Deputados foi mais prudente e estabeleceu uma divisão razoável: 75% para educação e 25% para saúde, um setor igualmente carente de atenção.
Mas o que chamou mais atenção, na nossa pesquisa, auxiliada por netas que participaram das passeatas, foi praticamente a inexistência de cartolinas ou faixas abordando a temática da Constituinte ou do referendum popular para a reforma política. Os jovens, basicamente apartidários, não deram valor a esses temas, valorizados pela presidente Dilma, e que soam mais como biombos para esconder o tamanho da crise vivida, especialmente com o recrudescimento do dragão da inflação. Não era, positivamente, a prioridade das ruas.
Vejamos alguns exemplos bem elucidativos: “Ei, soldado, estou lutando também por você.” Outro: “Copa no Brasil custa mais caro do que as três últimas edições somadas.” Aliás, a condenação do que foi pago para a construção das arenas esportivas para a Copa das Confederações foi feroz. Além disso, os jovens questionaram a transformação dos estádios de Natal, Brasília e Fortaleza em futuros “elefantes brancos”. O argumento parece lógico: “Se os times da Capital estão na terceira divisão, quando é que o Mané Garrincha vai pegar um grande público?”. Daí o cartaz: “Da Copa eu abro mão! Quero dinheiro pra Saúde e Educação!” Ainda bem que fomos campeões, na bela final contra a Espanha...
No “Correio Braziliense”, temos a manchete “A nova cara do Brasil”, citando a mobilização pelas redes sociais, sem lideranças ostensivas ou pleitos unificados. Isso em nada menos de 12 capitais. Uma jovem colocou bem alto o seu cartaz: “Desculpem o transtorno. Estamos mudando o Brasil.” Logo ao lado, “A aula hoje é na rua.”
Outra mocinha exibia orgulhosamente: “País desenvolvido é onde rico usa transporte público.” Em outro momento: “Tem tanta coisa errada que nem cabe num cartaz!” Com uma foto bem esclarecedora, era mostrada “A escola aos pedaços”, o que se repetiu inúmeras vezes em várias cidades brasileiras. A reclamação do mau estado de conservação dos estabelecimentos de ensino tornou-se um consenso. Outro lembrava a vitória do Brasil sobre o Japão, na Copa das Confederações: “Brasil 3x0 Japão. Mas o Japão nos ganha em Saúde, Transporte e Educação.”
“Verás que um filho teu não foge à luta... Acorda Brasil” foi uma cena que se repetiu muito, ao longo do movimento, que teve manifestações curiosas, como a daquela moça bonita que escreveu “Odeio passeata, mas estou aqui por um dever cívico”. Outro apelou para a religião: “Ore pelo Brasil!” Certamente um pedido endereçado ao simpático Papa Francisco. O país está assombrado. É preciso ouvir a poderosa voz da juventude.