Machado de Assis nas alterosas


Arnaldo Niskier

 

Surgiu uma dúvida no plenário da Academia Brasileira de Letras sobre as viagens de Machado de Assis. Conhecido bicho do mato, a sua imaginação viajou muito mais do que o corpo. Ele mesmo, por diversas vezes, perguntado onde teria ido mais longe, invariavelmente, com a ironia de sempre, respondia: “Petrópolis.”
 
Não era verdade. No Rio, em companhia da sua amada Carolina, foi a Barra do Piraí, Vassouras e duas vezes a Nova Friburgo, seguramente em busca de tratamento. Sabe-se que nunca foi a Itaguaí, onde se passa um dos seus mais emblemáticos contos: “O Alienista”. Ao exterior, que parecia conhecer muito bem, jamais viajou. Cedeu espaço à criatividade.
A dúvida acadêmica desfez-se quando se comprovou a ida do Bruxo a Minas Gerais, para uma tríplice parada em Juiz de Fora, Sítio e Barbacena. Andou de trem, a cavalo e de carruagem. Portanto, as referências a Barbacena, no começo e no fim do clássico “Quincas Borba”, foram produto de experiências vividas.
 
Para chegar a essa conclusão, vali-me de experimentados pesquisadores. O primeiro deles, R. Magalhães Jr., meu colega de muitos anos da Manchete. Depois, Ubiratan Machado, que fez um trabalho notável para a Academia Brasileira de Letras (“Dicionário Machado de Assis”), e ainda Mauro Rosa, criador do Instituto Machado de Assis, de Belo Horizonte.
 
Em janeiro de 1890, por estrada de ferro, e na companhia de alguns amigos, Machado visitou fazendas e centros pastoris. Foi recebido com relâmpagos e coriscos que o fizeram descer correndo a ladeira em que se encontrava. Tinha horror a tempestades, que mexiam com o seu sistema nervoso. Como as descargas elétricas continuaram à noite, Machado e Carolina permaneceram no quarto do hotel, cobrindo os ouvidos diante de estampidos apavorantes.
Na manhã seguinte, de trem, foram para Sítio, cidade de clima propício aos tuberculosos, onde a hospedagem numa fazenda foi motivo de encantamento. Na mesa imensa, nenhuma mulher da família sentou e comeu-se fartamente de tudo: assados de farofas, bolos e doces, sem esquecer o leitão com rodelinhas de limão. Em vez de água ou vinho, copos de leite. No dia seguinte, a cavalo, viagem para Três Corações do Rio Verde, mas Machado detestou a aventura, em estrada empoeirada, e voltou do meio do caminho.
 
Mas tarde, convidado a visitar São João del Rei, o autor de D. Casmurro confessou: “Já fui, raro e de corrida, a essa própria Minas Gerais – o bastante para bendizê-la.” Em Quincas Borba, descreveu Machado o que certamente é a experiência por ele vivida: “Súbito, relampejou: as nuvens amontoavam-se depressa. Relampejou mais forte e estalou um trovão. Começou a chuviscar grosso, até que desabou a tempestade. Rubião, que aos primeiros pingos deixara a igreja, foi andando rua abaixo, sempre seguido do cão, faminto e fiel, ambos tontos, debaixo do aguaceiro, sem destino, sem esperanças de pouso ou de comida...”
 
Tal passagem descrita em A Estação, em setembro de 1891, bem antes do romance que foi publicado em 1886, certamente é a recordação da viagem realizada às Alterosas, onde conheceu as ruas íngremes e pedregosas de Barbacena, e as preciosas obras de arte da sua principal igreja.