Quase Nobel


Arnaldo Niskier

Quando a mãe se suicidou, Amós Klausner, cuja família era natural da Lituânia, trocou o sobrenome para Oz, que em hebraico significa bravura ou coragem. Assim se tornou um dos maiores escritores contemporâneos do Estado de Israel. Muitos sabras também trocaram de nome, para eliminar a origem européia, de tantas lembranças dolorosas.

“Quem sabe, diziam escritores locais, sua morte prematura tenha nos privado de uma escritora inspirada, e isso no tempo em que se poderiam contar nos dedos de uma única mão as escritoras em hebraico.” É a homenagem de Oz à sua mãe, já quase ao final do livro, editado pela Companhia das Letras.

Trata-se de uma obra muito bem construída, somando vivências acumuladas desde os tempos de Europa, para focalizar a Jerusalém de antes e depois da Independência, proclamada no dia 14 de maio de 1948, com a presença do chanceler Oswaldo Aranha na presidência da ONU. Coube a ele a honra de anunciar o resultado, para muitos surpreendente: 33 votos a favor; 13 contra e 10 abstenções. A proposta foi aceita e o nosso representante acionou o martelo de madeira, símbolo que depois passou a pertencer ao acervo do kibutz brasileiro Bror Chail. Tem hoje um grande significado.

Ao terminar o ensino médio, um pouco antes de se alistar no Exército, Oz tornou-se membro efetivo do kibutz Hulda, que foi sua casa de 1954 a 1985. Viveu notável experiência de ação comunitária, inclusive a contribuição dos kibutzim às vitórias militares de Israel.

A descrição desse histórico momento mostra a força do texto de Amós Oz: “Sua voz foi engolida pelo rugido que explodiu no rádio, transbordou, se alastrou em avalanche, vindo das galerias, das pessoas enlouquecidas de felicidade no salão de Lake Succces, e passados dois ou três segundos de pasmo, de bocas entreabertas como se sentissem sede, de olhos bem abertos, de repente nossa remota ruazinha também urrou e rugiu, dos limites de Kerem Avraham, no extremo norte de Jerusalém, num estrondoso grito primal, cortando a noite; os prédios e as árvores, cortando a si próprios não foi só um grito de alegria, nem um pouco parecido com os urros dos estágios, bem com uma manifestação de multidões arrebatadas .”

Assim Amós Oz, cantando a Hatíkva, o hino nacional, em meio a gritos e palmas, comemorou o nascimento da nova nação, hoje uma realidade incontrastável. Os festejos duraram sete dias e sete noites.

Se ele não tivesse falecido há pouco, certamente seria um forte candidato ao Prêmio Nobel de Literatura.