O impacto de Shtisel


Arnaldo Niskier

O cinema do Estado de Israel amadureceu para uma série de premiações internacionais. Pode-se medir essa qualidade, por exemplo, com o fenômeno de Shtisel, série que se pode ver nas apresentações da Netflix, que hoje rivaliza com a poderosa Amazon.

É uma história familiar clássica, que se passa em Jerusalém, abordando basicamente os dramas do relacionamento entre pais e filhos, unidos pelo mesmo amor à religião, mas com divergências profundas quando se trata de ouvir a voz do coração. Num dado momento, o jovem rabi Akiva se apaixona por uma linda viúva e o pai é contra o seu casamento: “Como você vai casar com uma mulher que é viúva duas vezes?” Ele insiste (é professor do jovem Israel, o filho dela) e a resposta do pai é um sonoro e antipedagógico tapa na cara.

O jovem rabi acaba se envolvendo num romance arranjado, também com uma linda morena, e as cenas se desenrolam com uma certa dose de humor, o que é tipicamente judaico. O sucesso da série inicialmente televisiva pode ser também explicado pela excelente interpretação dos artistas envolvidos, com um pormenor que convém destacar: tudo transcorre sem apelo a sexo.

Akiva vive basicamente um drama entre a tradição e o que dita o seu coração. Não quer desagradar ao pai, mas não assume o romance arranjado. Prefere, na verdade, dedicar-se à sua vida de pintor, com muitas encomendas, inclusive de judeus milionários. Já praticava a arte na escola em que lecionava, entremeando as aulas com pinturas e pensamentos talmúdicos de grande profundidade.

Aliás, o pai, que é um velho rabino, também tem lá o seu drama com a secretária, que queria casar com ele. Mas com a sua indefinição, ela se cansa e parte para outro casamento, o que deixa o rabi profundamente triste. Não aceita com facilidade o abandono.

A produção narra o cotidiano de uma família de judeus ortodoxos (Haredi), ambientada no reduto religioso Geula, onde vive a família de Shulem Shitsel, rabino da yashiva local. São regras e rituais próprios daquela parte de Israel, com um humor bem característico. A língua dominante é o hebraico, mas em alguns diálogos, sobretudo com pessoas mais velhas, é possível perceber o emprego do ídiche, corruptela do alemão.

Na vida ortodoxa, que a série reflete, fica claro que o namoro possui como único objetivo o casamento. Jovens se encontram somente em locais públicos, com a clara proibição de toques físicos. Os pais devem ser consultados para que prospere o namoro. A série é muito bem sucedida.