Algumas das mais interessantes leituras que tenho feito nesse tempo de isolamento, imposto pela pandemia do novo coronavírus, vêm se caracterizando pela hibridização da psicanálise com campos diversos, tais como os da política e da filosofia. Seguindo o interessante percurso intelectual de Slavoj Zizek (1949), filósofo esloveno, nascido na antiga Iugoslávia, creio que poucos pensadores ilustram com tamanha relevância as contradições do capitalismo contemporâneo como o professor do Instituto de Sociologia e Filosofia da Universidade de Ljubljana.
A formação de Zizek deu-se através da escola Lacaniana da Eslovênia, fora de qualquer um dos eixos fundamentais que determinaram a recepção do pensamento freudiano. Zizek é testemunha ativa da queda do regime socialista na Iugoslávia, do interesse capitalista nos mercados recém-abertos e dos paradoxos e impasses da onda de democratização capitalista que atravessou os países do Leste Europeu, nos anos 80 e 90.
A crise econômica globalizada demonstrou a fragilidade do sistema de livre mercado, cujos defensores acreditavam ter triunfado na Guerra Fria. Não há sinal de nada parecido com o projeto socialista que foi visto, por muitos no passado, como o sucessor do capitalismo. A obra de Zizek, que reflete essa situação paradoxal de várias maneiras, fez dele um dos intelectuais públicos mais conhecidos no mundo.
A enorme influência de Zizek, no entanto, não significa que seu ponto de vista filosófico e político possam ser facilmente definidos. Membro do Partido Comunista da Eslovênia até 1988, teve relações difíceis com as autoridades partidárias durante anos, em decorrência de seu interesse por ideias consideradas heterodoxas. Em 1990, candidatou-se à Presidência pelo Partido Liberal Democrata da Eslovênia. Mas as ideias liberais, exceto por servirem como ponto de referência para posições que ele rejeita, nunca moldaram o seu pensamento.
Em sua mais recente publicação, “Pandemia: Covid-19 e a reinvenção do comunismo”, com tradução de Artur Renzo para a Editora Boitempo, Zizek assina treze ensaios de escrita rápida, afiada e bem-humorada, destrinchando diferentes aspectos do surto provocado pelo novo coronavírus: filosóficos, psicanalíticos, políticos, sociais, econômicos, ecológicos e ideológicos.
O autor abriu mão dos direitos autorais, que serão revertidos à organização internacional Médicos Sem Fronteiras, dedicada a oferecer ajuda médica e humanitária a populações em situações de emergência em todo o planeta. Vale à pena a leitura.