A morte de um sobrevivente


Arnaldo Niskier

O título parece um paradoxo, mas tem uma explicação. Faleceu o escritor Elie Wiesel, aos 87 anos de idade, sobrevivente de Auschwitz e vencedor do Prêmio Nobel da Paz, em 1986. Ficou mundialmente conhecido como um grande ativista, autor de grandes e apreciados livros sobre a história judaica dos tempos modernos.
 
Conheci Wiesel no Rio de Janeiro, quando aqui esteve em 1998 para falar sobre a sua dramática experiência, o que ocorreu diante de uma grande plateia, no Hotel Sofitel (antiga sede da TV Rio), em Copacabana. Conversamos um pouco e dele recebi o convite para alongar o papo numa visita aos Estados Unidos, na cidade de Boston, onde passou a viver. Como isso não foi possível, por artimanhas do destino, fiquei com as impressões colhidas em sua conferência e na leitura de algumas de suas apreciadas obras.
 
Lembro de cada frase do livro “Noite”, por ele escrito. É um nítido retrato das recordações do sofrimento humano, do desrespeito a velhos e crianças, da bestialidade nazista, falando em nome de uma pretensa pureza da raça. Vale a pena recordar as palavras de Israel Klabin, na solenidade referida: “De toda geração que conviveu com o Holocausto, ninguém foi tão fortemente abençoado, não apenas pelo encontro com a sua própria crença na missão judaica, como na fé a na confiança com que D’us, Ele próprio, confiou-lhe a tarefa do testemunho.”
 
“Noite” fez parte de uma trilogia, com “Amanhecer” e “Dia”. São palavras de Wiesel: “O homem, enquanto vive, é imortal. Um minuto antes da sua morte será imortal. Mas, no minuto seguinte, Deus vencerá.”
 
Escreveu suas memórias em “Noite”, após dez anos de silêncio. Na introdução, veja-se o que afirmou François Mauriac: “Nada que eu tinha visto durante aqueles anos sombrios havia deixado marca tão profunda em mim como aqueles trens carregados de crianças judias na estação de Auschwitz. Àquela época nada sabíamos sobre os métodos nazistas de extermínio. E quem poderia imaginá-los! Embora o modo como aquelas ovelhas tenham sido separadas de suas mães ultrapassasse qualquer coisa que pensássemos ser possível até então...” Wiesel tinha visto sua mãe, uma adorada irmã menor e toda a sua família, exceto seu pai, desaparecer dentro de um forno cheio de criaturas vivas... Jamais esquecerei aquela fumaça. Jamais esquecerei os rostos pequenos daquelas crianças, cujos corpos eu vi se transformarem em anéis de fumaça sob um silencioso céu azul... Jamais esquecerei aqueles momentos que mataram o meu D’us e minha alma e transformaram meus sonhos em pó.”
 
Wiesel foi libertado em Buchenwald, em 1945, depois de estar em Birkenau, Auschwitz e Buna. Viveu para dar o testemunho dos horrores do nazismo. Após a sua morte, agora, em Nova Iorque, dele disse o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, de Israel: “Sinto-me afortunado por tê-lo conhecido e aprendido muito com a sua prodigiosa sabedoria. E sofrimento.” É também a nossa opinião.