Multiculturalismo em crise
Arnaldo Niskier
A liberdade religiosa insere-se dentro dos nossos ideais democráticos.
Povo criado a partir de várias etnias, o brasileiro, por formação, não adota o preconceito como norma de conduta. O tema foi tratado na Assembleia Nacional do Diálogo Católico-Judaico, que se realizou no Rio de Janeiro, no auditório da Associação Religiosa Israelita (ARI) – e com muito sucesso.
Ao falar sobre “Os desafios para as religiões no século XXI: nossa responsabilidade ética”, em companhia do Padre Jesus Hortal e do Frei Antônio Moser, procuramos enfatizar a importância do ensino de Religião em nossas escolas, lembrando a bela experiência vivida entre 1979 e 1983, no sistema público do Rio de Janeiro. Tínhamos uma coordenação, com professores especializados, e a rígida orientação de evitar o proselitismo nas aulas, que eram dadas com o intuito de transmitir aos jovens valores que, em muitos casos, não eram trazidos de casa. Sobretudo a crença em Deus.
Fizemos uma abordagem que passou por Platão, com os seus princípios de virtude e sabedoria, alcançando o Iluminismo judaico (Haskalá) e chegando ao multiculturalismo dos nossos dias, hoje vivendo momentos notórios de crise. Veja-se o que ocorre na Alemanha, onde os imigrantes turcos estão sendo repelidos, até mesmo pela rejeição dos mesmos às ideias de assimilação. Como se sabe, depois da II Guerra Mundial, a Alemanha, semidestruída, precisou importar mão de obra para os trabalhos de restauração. A Turquia cedeu um número enorme dos seus filhos, que, encantados por uma vida mais confortável, no novo país, se deixaram ficar e formaram famílias que hoje se encontram até na terceira geração.
Resultado: o fenômeno da multiculturação, nesse caso, se fez às avessas. Grupos extremistas alemães, provavelmente da mesma categoria dos skinheads (cabeças raspadas), têm maltratado os turcos, segregados em guetos modernos, criando incidentes profundamente lamentáveis, até do ponto de vista diplomático. O escritor francês Paul Valéry, em “A política do espírito”, esclarece que “toda estrutura social é fundada sobre a crença ou sobre a confiança. Todo poder se estabelece sobre essas prioridades psicológicas.” Quando um desses elementos claudica, é natural que sobrevenham crises terríveis de relacionamento. É o que está acontecendo na Alemanha e também na França, esta às voltas com os ciganos.
A palavra ética vem de ethos (costumes). O papel das escolas, nesse processo, é essencial. Não vemos a Religião como uma disciplina a mais no currículo, mas como um enriquecimento cultural que bem pode ser feito por todos os professores, desde que devidamente orientados. A experiência vitoriosa do Rio de Janeiro deveu-se, também, ao entrosamento da Secretaria de Estado de Educação com as autoridades religiosas. Especialmente, no caso da religião católica, com o Cardeal (emérito) D. Eugênio Sales e os 12 bispos que trabalhavam em território fluminense. Precisamos voltar a esse tempo de entendimento total. Os estudantes ganharam muito, com isso.