Cintadas e varadas


Arnaldo Niskier

Quando a escola era risonha e franca, há muitos anos, aconteciam no seu interior coisas que até Deus duvida. A propósito, sempre será útil a releitura do clássico “O Ateneu”, de Raul Pompeia.
 
Somos do tempo em que a professora, irritada com alguma peraltice dos alunos, mandava que o culpado (ou mais de um) ficasse de costas para a classe, com o rosto virado para a parede, de pé, expiando por 15 minutos a sua aparente culpa. Ou, o que era pior, ajoelhar sobre um punhado de milho, para ver o que era bom... Escrever 100 vezes “Eu gosto da professora” era coisa comum.
 
Havia também os casos mais graves e aí vinha o indesculpável castigo corporal. A palmatória tornou-se popular e tapas eram raros, mas aconteciam. No Grupo Escolar Rodrigues Alves, em São Paulo, na segunda série do primário, a professora Rosa foi prá cima do seu indefeso aluno e aplicou-lhe um tabefe no rosto, que deixou a marca dos cinco dedos. No dia seguinte, quando o irmão da “vítima” foi reclamar na escola, dizendo que a mestra havia ofendido os princípios da pedagogia moderna (isso em 1945), a resposta foi uma risada. E o agredido passou o resto do ano sendo chamado pela turma de “Pedagogia Moderna”. Isso aconteceu comigo mesmo – e não posso esquecer o que representou.
 
Hoje, não há mais surpresa possível. A cada dia, uma novidade, como a do professor de Geografia, no Rio, que deu uma surra no aluno da escola pública por se sentir ofendido pelo rapaz. Isso é resposta que se dê?
Em São Paulo, na região do Sumaré, uma professora da escola municipal José de Anchieta (ele mesmo um grande educador), mandou um bilhete aos pais de um aluno de 12 anos, sugerindo que aplicassem “cintadas e varadas para educar a criança”. Isso tudo num precário português, escrito à mão pela dita educadora: “Se a conversa não resolver. Acho que umas cintadas vão resolver(sic)”.
 
Completa o seu estranho raciocínio: “Esqueça tudo o que esses psicólogos fajutos dizem e parta para as varadas.” Como a família reclamou de um possível bullying no menino de 12 anos, às voltas com acompanhamento psicológico, devido a dificuldades de aprendizagem, a indigitada professora tira suas próprias conclusões: “Não é possível que um garoto desse tamanho e idade, não consiga evitar encrencas.” (reproduzimos o texto com sua forma original).
É claro que sobreveio uma bela crise, pois o bilhete não percorreu os trâmites usuais (orientação ou coordenação, direção etc) e a Secretaria de Educação promete “tomar providências”, o que provavelmente não vai acontecer.
 
O que importa nisso tudo é a radiografia de uma educadora da rede pública, com a sua escrita precária e um pensamento pedagógico ainda mais precário, com recurso à violência, sugerida aos pais da criança. Não sei em que curso de formação de professores a nossa personagem fez os seus estudos, mas tudo isso é bem sintomático da precariedade com que lidamos com o futuro. É inadiável a reformulação desses cursos, em todos os níveis Com a palavra o Conselho Nacional de Educação.