A Linguagem neutra
Arnaldo Niskier
Quando o Latim ainda era uma língua viva, existia um pronome neutro, além do feminino e do masculino. Isso mudou quando o latim virou o português arcaico. Decidiu-se pela abolição do neutro e adoção do masculino para o plural.
Uma das discussões mais recentes e polêmicas no país refere-se à Linguagem Neutra. Um movimento presente em todo o Brasil, liderado por vários grupos que clamam por maior espaço de representação e igualdade social, tem reivindicado a atualização de um instrumento essencial, considerado a base de toda a comunicação: nossa língua Portuguesa.
Os integrantes desses grupos, conhecidos pela sigla LGBTQIAP+, afirmam que a mudança linguística é necessária pelo fato de essas pessoas não se identificarem com os gêneros biológicos binários masculino e feminino e, por isso, a língua de Camões, hoje, segundo elas, não seria capaz de abarcar as multifacetadas formas de representá-las em relação à sua visão acerca da própria sexualidade.
Além de alegar essa falta de representatividade, alguns consideram que a língua portuguesa seria machista, justamente pelo fato de que, ao utilizar determinadas palavras que se referem a ambos os gêneros gramaticais, a terminologia masculina é utilizada em detrimento da feminina, gerando o que consideram uma desigualdade.
Também conhecida como não-binária, a Linguagem Neutra compreende o uso de uma terceira letra além do “a” e do “o” no final das palavras para evitar a binaridade dos gêneros masculino e feminino. Com o propósito de incluir todos os grupos na comunicação, apresenta propostas de alteração do idioma, como novas grafias. Alguns exemplos são: elu (ao invés de ele ou ela); todes (ao invés de todos); amigues (ao invés de amigos); meninx (ao invés de menino ou menina).
Com a evolução do latim para o português, apenas por uma questão de similaridade fonética, o gênero neutro se mesclou ao masculino. Por exemplo, amicus (masculino) e amicum (neutro) se tornaram “amigo” em português; amica virou “amiga”. Então, a palavra masculina não se refere só a homem. Se alguém disser “não tenho amigo algum”, entende-se que ela não tem amizade com nenhuma pessoa. Se quiser salientar que não tem amigos do sexo masculino, terá que dizer “não tenho amigo homem”. Isso porque amigo, naquele contexto inicial, não denota sexo, ou seja, é neutro.
O feminino, por sua vez, é um gênero muito particular e o único que recebe marcação na língua portuguesa. “As mulheres têm um gênero gramatical que as identifica como grupo. No exemplo ‘as professoras’, não há dúvidas da composição 100% feminina. Se a língua portuguesa fosse machista, os homens teriam um gênero que os representasse como grupo, só deles.
Nenhuma língua muda seu sistema flexional por vontade de um grupo, mas sim de forma natural e paulatina. Não podemos negligenciar outros aspectos práticos nessa discussão. Os grafemas propostos na Linguagem Neutra tornam as palavras impronunciáveis, gerando desconforto à leitura e, principalmente, à pronúncia. “O que se chama de ‘linguagem inclusiva’ acaba, contraditoriamente, excluindo outros grupos. Palavras terminando com “x” e com “@” não ajudam disléxicos, estrangeiros ou cegos, por exemplo, que usam aplicativos de leitura; além de prejudicar alunos em fase inicial de alfabetização, pessoas com dificuldade cognitiva de leitura, e tantas outras.
Se a bandeira levantada é a da igualdade e inclusão, a sociedade deve voltar seu olhar não apenas para um grupo específico, mas para todos.