Cultura em tempos de pandemia


Arnaldo Niskier

Sobra razão à estimada Vera Tostes, presidente do Conselho Cultural da Associação Comercial do Rio de Janeiro, quando afirma que “será Imperador quem dominar os meios de comunicação virtual.”

De fato, caminhamos para uma grande renovação no que entendemos como cultura, com todos os seus naturais desdobramentos. Seu eu fosse repetir os dois mandatos que tive, como Secretário de Estado de Cultura, no período de 79 a 83 e depois no de 2004-2005, certamente seria obrigado a uma enorme revisão. As verdades são outras, muito mais contundentes.

Mas partiria de uma base incontestável: o Teatro Municipal do Rio de Janeiro é a maior casa de cultura do país. E não se pode deixar de colocar a Sala Cecília Meirelles num lugar de honra, não só pela sua acústica perfeita, mas pelos méritos da sua programação.

Por que a primazia do Municipal? Sem ir muito longe, posso afiançar que talvez a causa principal seja o apoio recebido, durante todo o mandato, por parte do governador Chagas Freitas. Não houve demanda que ele deixasse de atender. E eram coisas às vezes complicadas, como aquele tenor italiano ou alemão que exigia o pagamento adiantado do seu cachê artístico (“caso contrário, não entro em cena”). Era inevitável o apelo ao governador e este contava com um aliado precioso: Israel Klabin, meu querido amigo, que na época tinha uma forte influência no BANERJ. O dinheiro saía sempre em menos de 24 h.

Assim foram montadas 23 óperas em quatro anos de mandato. Quem poderá esquecer a extraordinária “Tristão e Isolda”, com John Vickers? A Central Técnica de Inhaúma, genial criação do meu ex-chefe Adolpho Bloch, funcionava às mil maravilhas, produzindo cenários que arrancavam a admiração dos artistas estrangeiros contratados. Talvez em nenhum outro lugar do mundo haja uma “fábrica de sonhos”, depois desmontada, com tamanha competência.

Como Secretário de Estado de Educação e Cultura podia socorrer, sempre que necessário, esta última vertente, em geral carente de recursos. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a Escola de Teatro Martins Pena, ameaçada de fechar. Chamei o seu diretor, por mim nomeado, que era ninguém menos do que o famoso ator José Wilker, e o socorri com a liberação de inesperados 30 milhões de reais (na época era muito

dinheiro) e ele pode pagar os salários atrasados e realizar obras essenciais e inadiáveis. Isso prova que sempre foi vantajoso unir Educação e Cultura, com benefícios evidentes para esta última. Quem diz o contrário não sabe o que está dizendo...

Valorizei o Instituto Villa-lobos, entregue à competência do Maestro José Braga. Criei uma sala de ensaios no Teatro Villa-lobos. A generosidade de Dalal Ashcar, que coloquei para dirigir o balé do Teatro Municipal, com grandes e retumbantes êxitos, a partir da inesquecível “Copélia”, repito a generosidade de Dalal colocou o meu nome na Sala, infelizmente devorada por um incêndio desastroso – e do qual não nos recuperamos até hoje. O Villa-lobos há anos está inativo.

Mais um fato que vale ser lembrado foi a decisão de evitar fitas nas apresentações do balé do Teatro Municipal. “Daqui pra frente, decidi, monocraticamente, o balé só vai se apresentar com a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal. Os músicos são pagos para isso.” Não houve grande resistência. A vitória foi do público que frequenta a nossa principal casa de espetáculos.

Quando vejo, hoje, que nada disso está funcionando adequadamente dá vontade de chorar. A cultura é um bem que deve ser tratado com a prioridade devida. E os recursos adequados.

Não vou insistir nas rememorações. Haveria muito o que comentar, como a criação da Orquestra Jovem do Teatro Municipal e a extensa programação infantil. Antes, quero exaltar a qualidade da minha equipe. Era mesmo de primeira.