Estrangeirismos de estrangeirismos


Arnaldo Niskier

 

Quando estive em Tóquio, graças a um voo inaugural da saudosa
Varig, espantei-me, logo no primeiro jantar, com o pedido de “pão” ao garçon, feito por
um nosso anfitrião. Pão, o que seria pão em japonês? O espanto maior é que era pão
mesmo, palavra deixada entre os nipônicos pela passagem de jesuítas portugueses por
aquelas paragens.
 
Tal fato me remeteu para o livro “Estrangeirismos”, escrito por
Cândido de Figueiredo, em 1902, em que ele afirmava que “há estrangeirismos de
estrangeirismos”. Enriquece a obra com vários exemplos, mostrando a mobilidade
dos termos já àquela época. São suas palavras: “Uns são imprescindíveis e fazem
parte do idioma nacional; outros convenientes, e do seu discreto emprego podem advir
vantagens; outros, ainda, são toleráveis, e procede louvavelmente quem os dispensa; e
muitos há, muitíssimos até, que só se empregam por indesculpável ignorância ou por
condenável desapreço à pureza da língua.”
 
Na época em que Cândido de Figueiredo, da Academia das Ciências
de Lisboa, escreveu essa obra naturalmente os estrangeirismos mais citados eram
os galicismos e os latinismos, por motivos óbvios. O latim foi a língua que com
mais abundante vocabulário contribuiu para a formação da linguagem portuguesa,
especialmente quando nos referimos à norma culta.
 
É claro que, um século depois, com a incrível revolução científica e
tecnológica, essa realidade modificou-se e, hoje, estamos muito mais às voltas com a
língua inglesa. Ainda assim, sem defender o seu emprego exagerado, principalmente
quando há termos equivalentes na língua portuguesa. O modismo deve ser condenado,
até mesmo pelo seu caráter transitório.
 
Sobre o tema, não podemos deixar de referir ao tráfego de palavras,
como revelam os estudos de Rosa Cunha-Henckel, quando se dedicou aos africanismos
de origem banto na obra de José Lins do Rego. Aí podem ser pinçadas palavras que
hoje fazem parte do nosso cotidiano, de que são exemplos expressivos as seguintes
que selecionamos: mucama, cachimbo, caçula, cafuné, moqueca, quitanda, quilombo,
senzala, tanga e zumbi, para só ficar nessas.
 
No trabalho lapidar de Cândido de Figueiredo, mais extensos,
podemos colher um número maior de palavras importadas, mas que hoje fazem parte
indissociável do nosso cotidiano. Vamos aos exemplos a nosso ver mais significativos,
sem esgotar a matéria: abajur, alter ego, avalanche, bife, bibelô, cabaré, cassetete,
deboche, descoberta, detalhe, drapejar, elite, emoção, flanar, grátis, golpe de vista,
 
hangar, idem, isolado, item, jockey, lavabo, legenda, madame, menu, morgue, persona
grata, pic-nic, puré, quiproquó, repórter, restaurante, sanduíche, silhueta, sui generis,
toalete, turbina, ultimatum, verve, viável, iate etc. Para aprofundar mais o exame
dessas palavras, aconselha-se pesquisar no “Vocabulário de palavras e frases latinas e
estrangeiras” do Dicionário de Moraes (nona edição).