Saudades da Manchete


Arnaldo niskier

Faz justamente 10 anos que concedi uma entrevista a Jô Soares, na TV Globo. Uma das primeiras perguntas foi sobre o interesse de Adolpho Bloch a respeito do teatro. Confirmei o que pude registrar em nossos muitos anos de convívio: “Desde os meus anos de Rússia, assim que pudesse gostaria de inaugurar um teatro com o meu nome. Felizmente, pude fazer isso no Rio de Janeiro, no Edifício “Manchete”. E lá acompanhamos a montagem, com enorme sucesso, de peças de grande sucesso com “O homem de La Mancha” e My Fair Lady”, consagrando artistas como Paulo Autran e Bibi Ferreira.

Infelizmente, quando mudou de dono, o Teatro Adolpho Bloch mudou também de nome: passou a ser Teatro Prudential.

Guardo belíssimas recordações dos meus 34 anos de Manchete. Jô Soares explorou essa vivência. Perguntou se era verdade que Adolpho, vez por outra, mastigava algum cromo de baixa qualidade. Sim, era verdade. Quando entrava na redação, às segundas-feiras, para ajudar na escolha da capa da revista, se não gostasse da foto colorida poderia muito bem comrer o ektachrome, num movimento que batizamos de “cromofagia”. Resultado da sua alma russa.

Era um homem violento? Isso acontecia às vezes, mas logo se arrependia. Ele afirmava: “Quem demonstra ter raiva por mais de três minutos é um caso patológico.” Logo depois de cometer uma violência, Adolpho demonstrava um claro arrependimento. Presenteava a vítima com um corte de seda italiana ou uma lata de chocolate da melhor qualidade. Era o seu jeito de pedir desculpas.

No livro “Memória de um sobrevivente” (Editora Nova Fronteira) alinhei uma série de lembranças sobre os meus tempos de “Manchete”. Jô Soares foi direto ao ponto: “A redação parecia uma casa de doidos?” Adolpho era um gênio, com todos os problemas de uma figura explosiva. Gostava de ser reconhecido como tipógrafo e ficava aborrecido quando era chamado de “doutor” ou “jornalista”. Os Blochs eram três irmãos, Bóris, Arnaldo e Adolpho. Quando criaram a empresa, no Rio, deram o nome de “B. Bloch Irmãos”. Numa viagem que fizemos juntos à Argentina, Adolpho revelou que isso o chateou imenso. Era indiscutivelmente o líder do grupo, mas os irmãos mais velhos o discriminavam porque ele era um jogador contumaz. Temiam que ele perdesse a empresa na jogatina(os cassinos estavam abertos, antes de 1946), mas isso não impediu que Adolpho criasse a “Manchete” em 1952. Tornou-se um enorme sucesso sob sua liderança.

Tive que explicarão a Jô que a paixão do Bloch por JK não era movida por nenhum interesse mas sim pelo que a nova capital representava como realização. O público entendeu essa escolha e passou a dar preferência à “Manchete”, abandonando a liderança de muitos anos de “O Cruzeiro”.

Nesse programa da TV Globo, falamos ainda dos três prédios construídos no Russel (projeto de Oscar Niemeyer). E da preferência da sua direção jornalística por matérias de grande densidade textual, a partir de uma pesquisa do Ibope. Foi assim que adquirimos os direitos de reprodução da série “A morte de um presidente”, de William Manchester, e com isso a circulação cresceu em progressão geométrica, enquanto a concorrência estacionava. Chegamos aos 350 mil exemplares e não era conveniente crescer mais. Foi o auge da vida da “Manchete”.

Jô falou ainda do amor de Adolpho Bloch pela cadela “Manchetinha” (como chorou com a sua morte) e a sua substituição por outra dinamarquesa (“Amiga”). São as principais recordações de um tempo de ouro da “Manchete”, que marcou forte presença no jornalismo brasileiro.