Rachel na Sorbonne
Arnaldo Niskier
Ana Maria Machado, ela também uma grande escritora, resolveu prestar homenagem à memória de Rachel de Queiroz, a primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras (1976). Valendo-se de um convênio com a Universidade Sorbonne Nouvelle, determinou que fôssemos a Paris para falar a 120 alunos de língua portuguesa da importante instituição, o que fizemos com muito prazer. Ela foi uma figura fundamental do romance nordestino, além de ter povoado durante muitos anos a última página da revista O Cruzeiro, sempre com sucesso.
A apresentação foi valorizada pela montagem de um bem ensaiado jogral, reunindo seis alunos brasileiros (um de cada Estado), sob a competente coordenação do professor Didier Lamaison. Dois temas foram selecionados, baseados em livros de sucesso de Rachel de Queiroz: “O Quinze” e “Memorial de Maria Moura”. A leitura dos jovens e o contraponto de Lamaison criaram um clima de muita emoção, na tradicional instituição francesa, que se debruçou sobre a vida e a obra de uma das rainhas da nossa literatura.
Na minha vez de falar, com um power-point todo feito em francês, discorri sobre o percurso literário de Rachel, a partir do primeiro livro (“O Quinze”), que escreveu aos 20 anos de idade, quando recém havia se formado no magistério. Não prosperou como professora, entregando-se à literatura. Mereceu desde logo o comentário de Gilberto Amado: “Numa garota de 20 anos, abrolha uma produção tão perfeita e tão pura que continua, sozinha, inigualada tempos afora.”
Vejam, na obra inaugural, a característica de fuga ao sentimentalismo:
“Saída a última rês, Chico Bento bateu os paus na porteira e foi caminhando devagar, atrás do lento caminhar do gado, que marchava à toa, parando às vezes e pondo no pasto seco os olhos tristes, como uma agudeza de desesperança.”
Rachel foi sempre uma pessoa despojada. Não aceitou o convite do presidente Jânio Quadros, que ela apoiara, para ser ministra da Educação. E mais tarde recusou também o convite do seu primo, presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, para ser ministra da Cultura. Tinha uma explicação muito simples para esse desapego a cargos públicos: “Pra quê? Vou levar comigo?”
Orgulho mesmo tinha da sua obra e da creche com o seu nome com que foi homenageada no Estado de Israel. Voltou de lá com a frase engatilhada: “Sou uma velha senhora sionista”.
No ano de 1992, em “O memorial de Maria Moura”, que pode muito bem ser parte da sua biografia, capta a geografia nordestina no seu momento mítico por excelência. Há uma heroína sentimental e sexualmente reprimida, insatisfeita ante a situação de inferioridade da mulher. Mas a personagem é valente, não aceita a submissão, e mostra a força da mulher nordestina. É Rachel em estado puro.