As travessuras de Darcy Ribeiro


Arnaldo Niskier

Darcy Ribeiro, que teria feito 90 anos no último dia 26 de outubro, era homem de muitas travessuras.  A  expressão é dele próprio, certamente quando se referia às suas muitas e animadas namoradas.  Mas foi também um político de  boas  causas: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária...
 
Em sua homenagem, a Academia Brasileira de Letras dedicou-lhe o capítulo das efemérides, numa das  últimas sessões.  Tive o privilégio de ser o orador desses momentos de recordação e louvor.
 
Filho de farmacêutico e professora, nascido em Montes Claros (MG), em 26 de outubro de 1933, Darcy Ribeiro mudou-se para o Rio de Janeiro com o objetivo de estudar medicina. Até ingressou na faculdade, mas abandonou o curso depois de três anos. Transferiu-se para São Paulo, indo estudar Ciências Sociais na Escola de Sociologia e Política. Em 1949, entrou para o Serviço de Proteção aos Índios (antecessor da Funai), onde trabalhou até 1951. Passou várias temporadas com os indígenas do Mato Grosso (então um só estado) e da Amazônia, publicando as anotações feitas durante as viagens. Colaborou ainda para a fundação do Museu do Índio (que dirigiu) e a criação do parque indígena do Xingu.
 
Darcy Ribeiro escreveu diversas obras de etnografia e defesa da causa indigenista, contribuindo com estudos para a Unesco e a Organização Internacional do Trabalho. Em 1955, organizou o primeiro curso de pós-graduação em antropologia, na Universidade do Brasil (Rio de Janeiro), onde lecionou etnologia até 1956.
 
No ano seguinte, passou a trabalhar no Ministério da Educação e Cultura. Lutou em defesa da escola pública e, junto com Anísio Teixeira, fundou a Universidade de Brasília (da qual foi reitor em 1962-3).
 
Em 1961, foi ministro da Educação no governo Jânio Quadros. Mais tarde, como chefe da Casa Civil, no governo João Goulart, desempenhou papel relevante na elaboração das chamadas reformas de base. Com o golpe militar de 1964, Darcy Ribeiro teve os direitos políticos cassados e foi exilado.
 
Viveu, então, em vários países da América Latina, lutando por uma nova Universidade. Foi professor na Universidade Oriental do Uruguai e assessorou os presidentes Allende (Chile) e Velasco Alvarado (Peru). Naquele período, Darcy Ribeiro redigiu grande parte da sua obra de maior fôlego: os estudos  da "Antropologia da Civilização", em seis volumes (o último, "O Povo Brasileiro", foi publicado em 1995).
 
Em 1976, retornou ao Brasil, dedicando-se à educação pública. Quatro anos depois, foi anistiado, iniciando uma bem-sucedida carreira política. Em 1982, elegeu-se vice-governador do Rio de Janeiro. Nesse cargo, trabalhou junto ao governador Leonel Brizola, na criação dos Centros Integrados de Educação Pública (Ciep).  Criou, planejou e dirigiu a implantação de quase 500 CIEPs. O projeto pedagógico era revolucionário no Brasil, visando dar assistência em tempo integral a crianças, incluindo atividades recreativas e culturais para além do ensino formal - dando concretude aos projetos idealizados décadas antes por Anísio Teixeira.  
 
Nas eleições de 1986, Darcy foi candidato ao governo fluminense pelo PDT, concorrendo com Fernando Gabeira (então filiado ao PT), Agnaldo Timóteo (PDS) e Moreira Franco (PMDB). Darcy foi derrotado, não conseguindo suplantar o favoritismo de Moreira que se elegeu graças à popularidade do recém  lançado  Plano Cruzado. O antropólogo também foi ministro-chefe da Casa Civil do presidente João Goulart e vice-governador do Rio de Janeiro, de 1983 a 1987.  Em 1990, foi eleito senador, posto em que teve destacada atuação, exercendo o mandato até a morte, em 1991, aos 74 anos.  O seu romance de maior sucesso chamou-se “Maíra”.