Crônica: Drummond, o poeta da terra, na academia
Arnaldo Niskier
Recebi a incumbência do presidente Merval Pereira de agradecer, com todo o carinho possível, o gesto do jornalista e empresário João Roberto Marinho, um dos diretores da Organização Globo, pela cessão dessas incríveis pastas em que se encontram originais do poeta Carlos Drummond de Andrade. Pode-se registrar que ele trabalhou nesses originais, pois suas emendas foram feitas de próprio punho, valorizando ainda mais a doação mencionadas.
Antes de mais nada, uma palavra de saudade do acadêmico Roberto Marinho, que esteve entre nós durante cerca de dez anos. Sempre solícito, sempre simpático, deixou fortes lembranças no seio da imortalidade.
Agora, a família Marinho é representada pelo seu diretor João Roberto, autor de um gesto que nos trouxe muita alegria. Essa doação para o acervo da Academia, que se fez de modo absoluto, representa um enriquecimento inestimável. São textos do chamado “poeta da terra”, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX, com todas as correções do próprio autor, atestando a sua veracidade.
Em 1970, por iniciativa do saudoso José Olympio, foi lançado o álbum “D. Quixote”, com trabalhos de Miguel de Cervantes, Candido Portinari e Carlos Drummond de Andrade. Deste, a frase lapidar:
“Pela justiça no mundo
Luta, Iracundo.
Sente-se, doideira, um louco de juízo.”
Os trabalhos assinados por Drummond e publicados em “O Globo” constituem um momento fundamental da literatura brasileira, que ele soube interpretar como ninguém, com o seu estilo inconfundível. Embora nascido em Minas Gerais, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde fez sólidas amizades, e aqui exerceu atividades de relevo cultural. Sempre de modo brilhante, assinou poemas e crônicas em periódicos de grande relevo, como o “Correio da Manhã”, o “Jornal do Brasil” e “O Globo”, além de diversas revistas.
Certa vez, perguntado se gostava de poesia, o autor de Itabirito(Minas Gerais) foi além: “Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor. Acho que a poesia está contida nisso tudo.”
Como se pode perceber, tudo muito humano. Drummond rima com bom. É o que ele era: um homem bom. O seu valor literário pôde ser anotado nos trabalhos por anos pelos leitores. Um autor que valorizou, focando no cotidiano, o ser humano tem de melhor e mais significativo.
Drummond, como os modernistas, segue a libertação proposta por Mário de Andrade e Oswald de Andrade; com a instituição do verso livre, mostrando que este não depende de um metro fixo. Se dividirmos o modernismo numa corrente mais lírica e subjetiva e outra mais objetiva e concreta, Drummond faria parte da segunda, ao lado do próprio Oswald de Andrade.
Quando se diz que Drummond foi o primeiro grande poeta a se afirmar depois das estreias modernistas, não se está querendo dizer que Drummond seja um modernista. De fato, herda a liberdade linguística, o verso livre, o metro livre, as temáticas cotidianas.
Através de sua poesia, Drummond foi eternizado, conquistando a atenção e a admiração dos leitores contemporâneos. Seus poemas se centram em questões que se mantêm atuais: a rotina das grandes cidades, a solidão, a memória, a vida em sociedade, as relações humanas.
Entre suas composições mais famosas, se destacam também aquelas que expressam reflexões existenciais profundas, onde o sujeito expõe e questiona seu modo de viver, seu passado e seu propósito.
Ele não quis pertencer aos quadros da ABL, como merecia. mas foi muito lembrado ao lado de imortais como Euclides da Cunha, Coelho Neto, Orígenes Lessa, Rachel de Queiroz e Manoel Bandeira, entre outros, quando ABL realizou com O Instituto Antares de Cultura a Maratona Escolar, que serviu de pretexto para exercitar a criatividade dos nossos jovens estudantes.
A trajetória pessoal e literária de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) merece ser muito iluminada. Um dos maiores nomes da poesia brasileira de todos os tempos, Drummond levou uma existência aparentemente modesta e avessa aos holofotes enquanto burilava uma obra vasta e rigorosa. Vivendo no Rio de Janeiro entre 1934 e 1987, o bom mineiro atravessou boa parte do século XX produzindo poesia, crônica para os jornais e marcando, sobretudo com sua obra, todas as gerações posteriores da literatura produzida no Brasil.
O jornal “O Globo”, ao adotar essa atitude de doar os originais de Carlos Drummond de Andrade, certamente o faz de modo orgulhoso e com a lembrança de que o seu fundador, saudoso acadêmico Roberto Marinho, sempre teve ideias generosas de relação da sua empresa o/a Casa de Machado de Assis. Sou testemunha disso.