O Bruxo do Cosme Velho


Arnaldo Niskier

Quando jovem, certamente pela sua estatura, ele era conhecido como “Machadinho”. Depois, já maduro, passou a ser o “Bruxo do Cosme Velho”, bairro onde morou 24 Anos. Foi quando se tornou autor consagrado de crônicas e contos, romances e poemas, alcançando a presidência da Academia Brasileira de Letras: “Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto.”

Por iniciativa do poeta gaúcho Luiz Coronel, a Cia. Zaffari editou o dicionário “Machado de Assis, ontem, hoje e sempre”, com verbetes de extraordinário bom-gosto. Supre uma lacuna, enquanto aguardamos o trabalho mais denso do dicionário, prometido por Evanildo Bechara na ABL. Será a obra definitiva do patrono da Academia, seguramente, com a sua fértil melancolia, para chegar às mil sutilezas da alma feminina, como muito bem afirmou Coronel.

Representante exponencial da literatura brasileira, bruxo alusivo e zombeteiro, no dizer de Carlos Drummond de Andrade, Machado explorou de forma competente todos os gêneros literários, “com o pessimismo atenuado por um humor que revela a condição humana” (José Sarney). Na posse, em 1897, o Bruxo referiu-se à Academia: “Ela nasce com a alma nova, naturalmente ambiciosa. O vosso desejo é conservar, no meio da federação política, a unidade literária.” Esse texto é lido todo ano, na comemoração do aniversário da Casa de Machado de Assis, às vezes com a lembrança de uma frase do seu clássico “Memórias Póstumas de Braz Cubas”, como essa tão expressiva: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.” Ele viveu 34 anos com a sua amada Carolina, cujo túmulo visitava todos os domingos, no Cemitério São João Baptista.

Quando presidi a ABL, juntei no mausoléu os restos mortais dos dois apaixonados, que tinham sido enterrados separadamente, por determinação da família dela. Questões de um racismo inconcebível. Como em Quincas Borba, compreendi que “os indivíduos são essas bolhas transitórias.” Em vida, como afirmou Afrânio Coutinho, “Machado foi muito sensível à mesquinhez humana e à sorte precária do indivíduo. Reconstituiu, na ficção, os labirintos da realidade.” Assim se tornou o grande escritor, homem do seu tempo e do seu país.