Tudo nos une?


Arnaldo Niskier

 

Sendo ou não torcedores do Vasco da Gama, os brasileiros em geral amam Portugal e o seu povo.  Por isso é preciso ter paciência com a meia dúzia de filólogos lusos que andam a nos provocar, a propósito do Acordo Ortográfico de  Unificação da Língua Portuguesa.  O mínimo que dizem (e escrevem) é que estamos querendo forçá-los a falar como  brasileiros, um evidente  absurdo.
 
Soberanamente, a reforma foi ratificada pelo Parlamento de Portugal, em maio de 2008, e promulgada pelo presidente Cavaco Silva em julho seguinte.  No final de agosto, na sede da Academia Brasileira de Letras, o presidente Lula sancionou a lei do Acordo, em nome do governo brasileiro.  Das nações lusófonas só ficou faltando a adesão dos parlamentos de Angola e Moçambique.
 
Eis que, ao apagar das luzes do ano passado, o governo brasileiro promoveu um inesperado recuo, adiando a entrada em vigor do Acordo para 1º de janeiro de 2016, sob  estranha  alegação de alinhar as regras com as de Portugal.  Na nossa opinião, são mais três anos para aprofundar o desacordo.  O professor António  Emiliano, da Universidade Nova de Lisboa, disse que “a nova regra revela insensibilidade à preservação da estabilidade ortográfica”, numa apreciação exagerada e típica dos linguistas inconformados.  Isso para não citar os ataques sem graça do Graça Moura.
 
É claro que haverá tempo para umas poucas revisões, se for o caso.  Se mandachuva não tem hífen, por que guarda-chuva tem?  Por que cor-de-rosa se escreve assim e cor de limão não tem hífen?  Preferência pela  rosa?  Há muitas exceções que exigirão grande ginástica mental dos nossos usuários – isso talvez possa ser aliviado.  É o caso do uso do “j” nas palavras derivadas do tupi e do árabe e do “x” quando elas tiverem origem árabe ou africana.  O duro é dominar toda essa etimologia, para não errar na hora de escrever a palavra certa.
 
Quando essa discussão se torna agora acesa, convém lembrar que não estamos órfãos  de uma orientação.  A Academia Brasileira de Letras, pela diversidade dos seus membros e a qualidade dos cultores da nossa língua, que lá se encontram, a partir do  filólogo Evanildo Bechara, respeitado internacionalmente, está atenta a todos esses movimentos – e não faz mais do que a sua obrigação estatutária.
 
É igualmente respaldada pela existência do decreto nº.5.765, de 18 de dezembro de 1971, que aprovou alterações na ortografia da língua portuguesa e dá outras providências, como atribuir à ABL a responsabilidade de atualizar o Vocabulário Comum, o que tem sido feito com zelo exemplar desde 1981, sob a liderança do saudoso especialista Antonio Houaiss.  Existem versões mais modernas do VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa) e a ABL tem tido sempre o cuidado, sob a orientação dos seus filólogos, de ouvir professores, gramáticos e linguistas, para aperfeiçoar o seu trabalho.  A lei brasileira cita o Vocabulário Comum, que evidentemente é o que vigora em nosso país.  Para a comunidade lusófona existe a previsão de um Vocabulário de termos científicos e tecnológicos, que ainda não saiu do papel, por falta de entendimento.