Humanidade esquecida
Arnaldo Niskier
Não se deve tratar os internos de um sistema penitenciário, como o do Rio de Janeiro, como se fizessem parte do que alguns filósofos chamam de “humanidade esquecida”. É preciso acreditar na viabilidade da recuperação de alguns deles (ou de muitos deles), desde que não se trate as prisões como se fossem, inexoravelmente, universidades do crime, expressão consagrada pelo saudoso jurista Evandro Lins e Silva.
Ao falar no presídio Bangu I, dando conta da experiência vivida ao tempo em que fui Secretário Estadual de Educação, pude recordar as seis escolas criadas e as diversas salas de aula espalhadas por aquela imensa área, com o apoio entusiástico do então Secretário de Administração Penitenciária, dr. Astério Pereira, eminente figura do ministério público do Estado.
Michel Foucault, no seu “Vigiar e Punir”, refletiu sobre a saga dos internos, de um modo geral. A obra nos trouxe à mente a idéia de uma opção talvez mais coerente, como “vigiar e compreender” ou “vigiar e solidarizar-se”, para contribuir no sentido da ressocialização dos que, em algum tempo, por circunstâncias diversas, cometeram transgressões no convívio da sociedade.
A violência permanente não pode ser a melhor solução. Ela sempre conduzirá a resultados ainda mais trágicos. Daí ser justificável a presença de religiosos, nesse processo, procurando a reconciliação dos internos com a religião, seja ela qual for. A isso se agrega o grande alcance social de ministrar educação, em todos os níveis, para dar ao indivíduo a oportunidade de, cumprida a pena, voltar à sociedade com chances de obter o emprego que irá assegurar a sua sobrevivência.
Numa das inaugurações, no ano de 2007, recordo com emoção o discurso de um interno de 57 anos de idade, diretor da biblioteca da escola, que comoveu a platéia com uma oração eivada de esperança e reconciliação. Em seguida ele fez o vestibular de Ciências Sociais, na UERJ, passando de modo brilhante. Todos os seus estudos, desde as séries iniciais, foram feitos na prisão.
Deve-se dar uma atividade permanente ao interno, trabalhando contra a sua perniciosa ociosidade. No caso das escolas, havia um pormenor ainda mais eloqüente, que me foi lembrado pelo dr. Eduardo Pires Gameleiro: os materiais de construção, especialmente os famosos tijolos ecológicos, eram produzidos pelos próprios presos, constituindo-se tal atividade numa renda apreciável para as suas economias. Utilizava-se igualmente a sua mão-de-obra especializada, reunindo pedreiros, carpinteiros, eletricistas, etc. Sabe-se que para cada dia de trabalho há um fator de encurtamento da pena, o que é permitido pelo nosso sistema judiciário.
Essa idéia acolhida pela Secretária de Administração Penitenciária, que abrange homens e mulheres, deve ser intensamente retomada, dado o seu grande alcance social. Esse trabalho tem o dom de transformar o que pode ser considerada uma pedagogia da mote pelo que se entende por pedagogia da vida, educando para o que se considera a sociedade do conhecimento, com fortes raízes no humanismo. É essencial ensinar uma profissão e, ao mesmo tempo, ministrar valores dos quais os internos em geral estão afastados.