Os 90 anos de Cony


Arnaldo niskier

Com uma alegria generalizada, a Academia Brasileira de Letras comemorou os 90 anos de Carlos 
 
Heitor Cony, festejado romancista, um dos mais competentes nascidos no Rio de Janeiro. Não é 
 
incomum comparar a obra de Cony com outros escritores cariocas ilustres, como Machado de Assis, 
 
Lima Barreto e Marques Rebelo. 
 
 
Tivemos o privilégio de com ele conviver por mais de 20 anos, na Empresa Bloch. Seja no ramo das
 
revistas, seja no campo da televisão, Cony deu notável contribuição à organização de Adolpho 
 
Bloch, que tinha por ele verdadeira adoração. Fomos testemunhas dos conselhos de Cony para que a 
 
teledramaturgia da Manchete fosse enriquecida por obras como Dona Beja, Pantanal e Kananga do 
 
Japão, para só ficar nesses exemplos, de grande sucesso.
 
 
Enquanto isso, a obra literária de Cony, que começou
 
com o romance “O Ventre”, ia sendo robustecida com outros romances e os livros sobre
 
a morte de Getúlio, “ A Travessia” e o antológico “Quase memória”, em que ele
 
lembra, de forma comovente, as relações vividas com o pai, também jornalista, que
 
trabalhava na redação do Jornal do Brasil. Foi talvez o grande responsável pelo gosto
 
do filho por temas ligados à comunicação, a que se dedicou, depois dos anos iniciais de
 
uma frustrada carreira de religioso, no Seminário São José.
 
 
Cony tornou-se agnóstico, mas revela uma pouco explicada adoração por Santo Antônio. Será uma 
 
volta à religião?
 
 
Aliás, a esse propósito, devemos contar um episódio de
 
que fomos testemunhas. Numa viagem à Itália, no ano 2.000, fomos visitar no
 
Vaticano a estimada figura de D. Lucas Moreira Neves. Ele nos levou a conhecer a
 
intimidade da Santa Sé, inclusive as obras de reforma da Capela Sistina. Foi um passeio
 
inesquecível, pois D. Lucas abria todas as portas, com a sua autoridade no Vaticano. O
 
Papa João Paulo II comemorava, no Auditório Paulo VI, o Ano Internacional do
 
Esporte. Quando a cerimônia terminou, eu e a minha mulher fomos levados por D.
 
Lucas à presença do Papa, que nos acolheu com muita simpatia. Aliás, ele foi o
 
primeiro Papa a entrar numa Sinagoga.
 
 
Quando tentamos nos despedir de D. Lucas, que se
 
encontrava um pouco adoentado, este perguntou para onde estávamos indo. Dissemos
 
que íamos ao encontro, em Roma, do amigo Carlos Heitor Cony, que estava na capital
 
italiana. D. Lucas se ofereceu para vir conosco, com a frase que guardamos: “Também
 
gosto muito do Cony e sou fã da sua obra.” Fomos a um simpático restaurante, onde D.
 
Lucas traçou com grande galhardia um ossobuco de tirar o chapéu. Quando o almoço
 
terminou, o Cardeal mineiro pediu-nos para deixá-los a sós, por instantes, pois tinha um
 
assunto particular para tratar com o Cony. Falaram uns 20 minutos e depois nos
 
despedimos.
 
 
Cony sugeriu que voltássemos a pé para o Hotel, a fim de
 
saborear a paisagem romana. Isto posto, colocamo-nos em movimento. Nada lhe foi
 
perguntado, mas ele não resistiu a contar ao seu amigo o motivo do pedido de D. Lucas.
 
E veio o esclarecimento: “Ele quer a minha volta à Igreja. Prometi estudar o assunto.”
 
Está estudando até hoje.
 
 
As suas seis prisões representam uma história bastante
 
conhecida. Nunca apanhou da polícia, mas teve a sua liberdade cerceada. Tudo em
 
consequência dos inúmeros artigos escritos no saudoso “Correio da Manhã”, sempre
 
contra os desmandos da chamada Revolução de 31 de março.
 
 
“As gigantescas lanternas coloridas escreviam, nos céus da
 
cidade, uma história de luz e liberdade.” É o Cony de corpo inteiro, apresentado no seu
 
“Quase memória”. Depois, no “Eu, aos pedaços”, refere-se com muito sabor ao seu
 
precioso aprendizado de Latim. Vez por outra, hoje em dia, coloca um pensamento
 
latino nas suas bem sucedidas crônicas do jornal “Folha de São Paulo”, onde dá para
 
perceber algumas das suas históricas aversões, como é o caso do ovo de Colombo.
 
 
Desejamos felicidades ao querido Carlos Heitor Cony, por ocasião dos seus primeiros 90 anos. 
 
Que ele chegue, com a mesma lucidez, aos 120 anos.