A cultura de David Pérez


Arnaldo Niskier

Dois discursos históricos de despedida não saem da minha memória, como professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foram mestres exemplares da instituição: Afonso Arinos de Melo Franco e David José Pérez. Suas orações, quando homenageados pelo início da inexorável aposentadoria, representaram peças primorosas de cultura.
 
David José Pérez, que conheci na então Universidade do Distrito Federal, nasceu em 1883, na cidade de Breves, no Estado do Pará. Seus pais eram imigrantes vindos do Marrocos, na África. Em Breves trabalhou no comércio. No princípio do século deslocou-se para o Rio de Janeiro, onde desabrochou o seu pendor para as letras, apesar de ter sonhado com a medicina.
 
Foi inspetor de alunos, professor primário de português e história e formou-se em direito e ciências econômicas. Era muito querido pelos alunos e tinha uma alma profundamente religiosa. No início do século 20, defendeu a criação do Estado de Israel. Depois lecionou hebraico, com a finalidade de divulgar a língua de Moisés.
 
Em 1939, com a ajuda de Antenor Nascentes, Clóvis Monteiro e outros mestres ajudou a fundar a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Instituto La-Fayette, onde ocupava a cátedra de espanhol. Foi diretor muito apreciado do Colégio Hebreu Brasileiro e durante mais de 50 anos foi membro da Sinagoga União Israelita Shell Guemilut Hassadim. Nela se destacou em palestras religiosas e filosóficas e, na década de 50, recebeu os alunos israelitas que se formaram no Centro de Instrução de Oficiais da Reserva da Marinha (CIORM). Lembro até hoje das lindas
palavras por ele na ocasião proferidas.
 
Foi um grande defensor do estado de Israel, que visitou com grande fervor, mas jamais pensou em deixar o Brasil: “Estou feliz com a criação de Israel. É uma causa justa. Estou feliz, mas não trocarei o Brasil pela nova pátria, pois aqui nasci e amo o meu país.”
 
David Pérez colaborou em jornais e revistas, escrevendo sobre filosofia, religião e assuntos teológicos. Fundou a revista “A Coluna”, em 1916, com o objetivo de defender os interesses do povo judeu no Brasil. Era distribuída na primeira sexta-feira de cada mês. Foram editados 24 exemplares.
 
O nosso homenageado foi um grande lutador pela causa do professor. De 1927 a 1930 presidiu a Confederação do Professorado, a mais antiga associada criada no Brasil para defender os interesses do magistério. Dela nasceu o atual Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro, sob a direção do mestre David Pérez.
 
Trabalhou intensamente contra o enfraquecimento da classe. Foi também um brilhante professor de latim do tradicional Colégio Pedro II. Morreu em 1970, alvo do respeito e da admiração dos educadores brasileiros.