Saudades da máquina de escrever


Arnaldo Niskier

Posso me lembrar que a Revolução Industrial, sobretudo na Inglaterra, trouxe ao mundo o ensino mútuo ou lancasteriano. Com a mania secular da imitação, adotamos esse tipo de ensino, mas é claro que foi um fracasso. Os nossos professores não estavam preparados para essa mudança.

Chegamos aos tempos da máquina de escrever. Foi quando comecei a minha vida de jornalista, na “Última Hora” de Samuel Wainer e na “Manchete Esportiva” da família Rodrigues. A máquina de escrever era uma atração enorme. Tinha prazer de acompanhar o escritor Nelson Rodrigues quando ele batia, com dois dedos, a sua genial “A vida como ela é”. Vou-lhes contar um fato curioso. Nelson era vidrado em cafezinho. Tomava de meia em meia hora. E sempre levava alguém para lhe fazer companhia.

Quando ele se levantava da mesa, tanto na Última Hora quanto na Manchete Esportiva, havia um repórter para ocupar o seu lugar, e bater a continuação do texto, inventando o que quisesse. Nelson, muito esperto, percebia o enxerto, mas não reclamava. Até gostava da colaboração, pois sobrava menos trabalho para ele. Assim, vocês podem estar certos de que no texto de “A vida como ela é” existe a colaboração de inúmeros repórteres, inclusive eu. Coloquei o nome da minha amiga Cylene, colega de Faculdade e da Secretaria de Educação, numa das histórias. Ela ficou até agradecida...

Tínhamos, na época, predileção pelas máquinas Remington, de teclado verde. Num dado momento, em Bloch Editores, o Adolpho mandou comprar 20 dessas máquinas. Quando o seu irmão Arnaldo viu as máquinas, tinindo de novas, quis pegar uma para ele. Adolpho se revoltou. Com a ira russa, própria dos Bloch, foi até a prateleira em que elas estavam sendo exibidas (eu vi toda a cena) e, levantando uma das máquinas, disse com toda a raiva possível:

- Você quer uma? Leve essa daqui. E espatifou a máquina de encontro ao chão. Voaram teclas e outras peças. A máquina virou um conjunto disparatado e inútil. Cena do que depois se chamaria o teatro dos irmãos Karamabloch. Invenção do Oto Lara Resende, um dos primeiros diretores da Manchete.

Hoje, quando se mostra uma máquina de escrever numa conferência, mesmo que seja portátil e de aspecto moderno, os jovens estranham. Somente se aquietam quando se afirma que o objeto é uma impressora wireless. Ah, bom, exclamam os jovens!

Depois desse tempo da máquina de escrever veio o espaço ocupado pelo retroprojetor, com as suas coloridas transparências. Hoje é um equipamento igualmente superado. Podemos colocar em discussão a figura de powerpoint, que oferece suas vantagens para dar aula.

Tivemos nas escolas a boa época dos dicionários ou coleções mais alentadas de livros importantes. Hoje, ter o Larousse, a Barsa ou “O mundo da criança” representa pouco, se comparados a outros tempos. Perderam prestígio inclusive para os inúmeros sebos que ainda existem. A nossa comunicação interpessoal se transformou drasticamente. Até a retórica é outra. Ela não pede frases longas. As bem sucedidas telenovelas exercem o papel de escolas de comunicação, com orações mais curtas e objetivas. O estilo do Padre Antônio Vieira com orações mais esticadas e compostas cedeu lugar a essas inovações linguísticas. Orações subordinadas não são aceitas, pois a retórica não pode conviver com frases longas. Elas não combinam.

É comum nas comunicações entre os nossos filhos que os avisos sejam sintéticos, dizendo tudo logo de cara. É outro tipo de texto, nem melhor ou pior dos usuários de 10 anos atrás. Outra é a utopia em que estamos mergulhados. As soluções do passado vão ser guardadas, como lembrança, nos museus cibernéticas que agora se multiplicam.