Vieira e os sermões


Arnaldo Niskier

 

O Padre Antonio Vieira nasceu há 400 anos, em Lisboa, e veio para o Brasil aos seis anos de idade, para viver com a família na Bahia. Ingressou no Colégio dos Jesuítas e teve uma vida fecunda, notabilizando-se pelos sermões, o primeiro dos quais foi o Sermão XIV, da série Maria Rosa Mística, pregado em 1633.
 
Sua maior arma contra a invasão holandesa foram os sermões proferidos, na seguinte sequência: Sermão de Santo Antonio, 1638; Sermão da Visitação de Nossa Senhora à Santa Isabel, 1638, e o Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda, 1640.
 
Passou uma temporada em Portugal, a partir de 1641, com intensa atividade política. O que ocorreu de mais notável foi a intransigente defesa que passou a promover dos cristãos-novos, o que naturalmente lhe trouxe graves problemas com a Inquisição. Produziu a “Proposta a El-Rei D. João IV”, no sentido de recuperar o país, do ponto de vista econômico, para o quê passaria a contar com a ajuda de alguns mercadores judeus. Não foi feliz e acabou voltando ao Maranhão, ameaçado de expulsão da Ordem dos Jesuítas, o que acabou ocorrendo no ano de 1661, depois dos esforços pela evangelização dos índios.
 
Iniciou a publicação dos seus Sermões na Europa, mas reviu toda a obra na Bahia, onde morreu aos 89 anos de idade. Produziu cerca de 200 Sermões, em que analisou com muita propriedade os problemas da Colônia – e ainda pôde realizar algumas profecias, sempre dentro de um estilo sensível e com um inusitado domínio da língua. Preocupava-se com a valorização da vida humana, para reaproximá-la de Deus. É possível buscar grande atualidade em suas palavras.
 
Escreveu o famoso Sermão da Sexagésima, em 1655, com a convicção de que “pregar é como semear” – e sempre para agrado de Deus e não dos homens. Criticou a conversão forçada que marcava aqueles tempos, mas fraquejou na defesa da escravidão, indígena e negra, com a promessa de uma salvação eterna, depois da morte. Era o argumento dos colonos, sem que houvesse unanimidade, como afirma o acadêmico Alfredo Bosi: “Do ponto de vista da ortodoxia, Vieira sabia-se respaldado por vários documentos de papas favoráveis à liberdade dos índios...” Era uma postura contraditória, mesmo que se adote o argumento de que ele, agindo assim, procurava acalmar o espírito inquieto dos colonos.
 
O Sermão da Sexagésima foi um dos seus mais célebres. Vieira estranha que “sendo a palavra de Deus tão eficaz e poderosa, como vemos tão pouco fruto?” Na verdade, culpa os próprios padres, pela defesa de interesses mundanos. Passou a utilizar o púlpito como tribuna política e chegou a insurgir-se contra uma facção do Barroco. Sempre com fundadas esperanças na sementeira. São suas palavras:
 
“Ainda que se perderam os primeiros trabalhos, lograr-se-ão os últimos. Dá-me grande exemplo o semeador, porque, depois de perder a primeira, a segunda e a terceira parte do trigo, aproveitou a quarta e última, e colheu dela muito fruto... o ano tem tempo para as flores e tempo para os frutos.” 
Vieira chamava a atenção dos fiéis para a existência de espinhos, pedras, o caminho e a terra boa em que o trigo cai. “Isso representa os diversos corações do homem. Terra boa são os homens de bom coração.”