Academia é convívio


Arnaldo Niskier

 

 Quando me perguntam para que servem as Academias de Letras, o primeiro pensamento que me ocorre é sobre os objetivos de sua existência. Seguramente não é só para que nelas se sirva, uma vez por semana, o gostoso chá de que tanto se fala, às vezes até maldosamente. Não! A marca notável das Academias está sintetizada na palavra convívio. Não é incomum, nos discursos de posse, a referência ao fato de que “agora, estamos condenados a conviver para o resto da vida”, o que implica a renúncia a personalismos ou ao exercício de atitudes de arrogância ou prepotência.
 
 As Academias têm longa vida de prevalência da harmonia entre os seus membros, mesmo quando se esteja referindo às de menor porte. Como há milhares em nosso país. E quantas mais houvesse, no mínimo uma em cada um dos 5,5 mil municípios brasileiros, melhor seria.
 
 Entre nós generalizou-se a crença de que essas entidades, em geral sociedades civis sem fins lucrativos, vivem mobilizadas por duas ideias centrais: desenvolver o gosto pela literatura e zelar pela valorização da língua portuguesa, hoje falada no mundo por cerca de 240 milhões de pessoas. Com a adoção de uma só configuração escrita, como pretende o Acordo Ortográfico, estrategicamente daremos um salto no concerto internacional, pois logo poderemos reivindicar a oficialização da língua de Machado de Assis nos foros internacionais promovidos pela ONU.
 
 Pesquisa da Datafolha mostra que a Academia Brasileira de Letras, nascida do sonho de jovens escritores, em 1897, tem uma posição ímpar na sociedade brasileira, como entidade cultural de grande expressão, aprovada por 84% dos cidadãos ouvidos.
 
 Se a matriz tem esse prestígio, parece óbvio que as demais Academias também sejam alvo dessa admiração. Para melhor compreensão do fenômeno, convém voltar ao passado para uma digressão prazerosa. Das publicações da Academia Brasileira de Letras, especialmente por intermédio do Centro de Memória, é possível conhecer com propriedade como se originaram as Academias.
 
 A “Academia” veio da escola de Platão, “situada perto da cidade, cercada de árvores, assim chamada por causa do semideus Academos”, a quem o jardim pertencera.
Durante muito tempo, no Brasil, as academias foram não apenas sociedade de sábios e letrados, senão ainda as faculdades superiores, de Direito e de Medicina; até hoje, um acadêmico pode tanto ser um membro da Academia Nacional de Medicina, quanto um estudante da Faculdade de Direito.
 
As primeiras academias regulares – no sentido restrito de associação espiritual, sem finalidade docente, que vai sendo o mais comum – são contemporâneas do Brasil; de 1570 é a Academia do Palácio, em Paris, que passou a chamar-se Academia Francesa.
 
No fim do século 19, no Brasil, Afonso Celso Júnior, ainda no Império, e Medeiros e Albuquerque, já na República, manifestaram votos por uma Academia nacional, como a francesa. O êxito social e literário da Revista Brasileira, de José Veríssimo, deu coesão a um grupo de escritores e, assim, possibilidade à ideia.
 
Lúcio de Mendonça teve, então, a iniciativa de uma Academia Brasileira de Letras. Assim foi fundada, independentemente, a ABL, hoje uma respeitadíssima organização cultural, que tem como objetivo maior o trato da língua portuguesa, como prova a edição do Vocabulário Ortográfico, com 360 mil verbetes, servindo de base para a implantação do Acordo de unificação ortográfica entre os povos lusófonos.