A posse de Antônio Cícero
Arnaldo Niskier
A Academia Brasileira de Letras, nos seus bem vividos 120 anos, caracteriza-se por perdas e ganhos notáveis. Lamentamos o falecimento do crítico literário Eduardo Portella e saudamos a chegada do poeta Antonio Cicero.
Se me pedissem para preceder de um título estas palavras de boas-vindas, certamente escolheria “Finalidades sem fim”, que alude à expressão de Immanuel Kant, para quem a beleza está na ‘finalidade sem fim’ das obras de arte. Não por acaso o título designa o livro de ensaios onde Cicero afirma que “a filosofia é o oposto complementar da poesia”, debruçando-se sobre os temas cruciais da criação.
É justo afirmar que a força e a capacidade do pensamento de Antonio Cicero aproximam filosofia e poesia, representando um avanço cognitivo ímpar. O horizonte de seu percurso criativo se abre em possibilidades ilimitadas.
Ele pode ser chamado de poeta, compositor ou filósofo, mas não padece de uma dúvida crucial. Sabe exatamente o que se entende por poesia, de modo a nos permitir apreender linguagem, mundo e pensamento como se fosse pela primeira vez: “A poesia deve chegar a ser o que é. É para ser fiel à poesia em si que o verdadeiro poeta se insubordina não somente contra a poesia convencional, mas contra o olhar ou a apreensão convencional da poesia.”
Sem submeter-se a conceitos previamente estabelecidos, numa vigorosa defesa da liberdade de criação, trata-se de um dos principais poetas hoje em atividade no Brasil, com uma repercussão que ultrapassa nossas fronteiras.
Chega à ABL para conviver com poetas como Alberto da Costa e Silva, Carlos Nejar, Antonio Carlos Secchin, Geraldo Carneiro e Geraldo Holanda, respirando o clima da tradição em que marcaram presença notáveis autores como, entre outros, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Ivan Junqueira e Ledo Ivo, este considerado pelo já saudoso Carlos Heitor Cony como o maior sonetista brasileiro.
Respeita os seus colegas de ofício e confessa que os poetas fazem amor com as palavras, como se isso fosse possível. Em seu livro “A poesia e a crítica” (Companhia das Letras, São Paulo, 2017), explica que a palavra “poesia” deriva da grega “poíêsis”, que quer dizer “feitura” ou “produção”. Já “poeta” vem de “poiêtês”, que significa “aquele que faz ou produz”. Com essa remissão à Grécia antiga podemos entender melhor a etimologia dessas palavras fundamentais.
Antonio Cicero recorda trecho de um poema de Fernando Pessoa (ou do seu heterônimo Alberto Caeiro), que diz:
“Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.”
O poema é análogo a outras obras de arte, fruto da combinação de todas as faculdades do artista, além da técnica, inspiração e experiência.