Liberdade de expressão


Arnaldo Niskier

 

Quem não conhece o assunto em profundidade pode ser levado a cometer equívocos de interpretação. A Academia Brasileira de Letras, como faz há cinco anos, cede seus espaços gratuitamente ao filósofo Adauto Novaes para a realização de seminários sobre o pensamento. Dessa vez, o tema era “Arte, sexo e pornografia”, com a conferência do professor Jorge Coli, da Unicamp.
 
Logo no começo, ele chamou a atenção de “pessoas sensíveis” para a exibição de slides chocantes e ainda disse: “Em geral, são proibidos para pessoas de menos de 18 anos.” Alguns espectadores deixaram o teatro, carregando filhos menores de idade pelo braço. O responsável pelo site da Academia, exibido publicamente no horário das 19 horas, ao ver as primeiras cenas do dito “espetáculo”, em que se incluía uma farta exibição de cenas indecentes, algumas delas protagonizadas pela conhecida Cicciolina, pediu permissão a um membro da diretoria da Casa de Machado de Assis para desligar o site, sem que fosse feita qualquer restrição à conferência propriamente dita, que correu assim até o final.
 
Foi o bastante, no dia seguinte, para a ABL ser acusada de conservadora e responsável por uma censura à liberdade de expressão. Aí o assunto passou a ser tratado, inclusive pela imprensa, de modo desfocado. A ABL nunca agrediu a liberdade de expressão, em toda a sua existência. Não há registro em sua história de qualquer ato nesse sentido, ao contrário, sempre se manifestou a favor da livre manifestação do pensamento, mesmo  que por vezes não esteja inteiramente de acordo, o que é um direito seu, como entidade de natureza privada, com regras próprias que se encontram no seu Estatuto, que é o mesmo desde a fundação em 1897.
 
O susto não foi a exibição do quadro “A origem do mundo”, do francês Gustavo Coubert, realizado em 1866 e bastante conhecido pelos frequentadores do Museu d’Orsay em Paris, inclusive crianças. O problema foi o que veio antes, inclusive cenas explícitas de felação, o que é proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Código Brasileiro de Radiodifusão. Se aquilo prosseguisse, o site poderia ser suspenso pelas autoridades e até cassado. Armou-se em cima disso uma polêmica, sendo a ABL acusada sucessivamente de censura a “obras de arte”, o que é um evidente exagero. Obras de arte com a Cicciolina?
 
A Academia Brasileira de Letras, de forma oportuna e moderada, fez uma nota pública, assinada pela presidente Ana Maria Machado, em que defendeu ardorosamente a liberdade de expressão, mas explicou que devia obediência, no site, à legislação de proteção à infância e adolescência. Isso não foi o bastante para os organizadores da infausta conferência, que insistiram, já agora de modo covarde, na tese da censura. Querem fazer média com as teses libertárias que se encontram em voga, mas com o uso de equipamentos alheios. Fico pensando, como educador, se o professor Coli teria coragem de exibir isso para os seus alunos da Unicamp. Certamente, sofreria uma advertência séria dos dirigentes da instituição.