É preciso saber viver
Arnaldo Niskier
Mais uma estrela se apaga na constelação da música popular brasileira. Com o intervalo de poucos dias, depois da morte de Gal Costa, agora temos a lamentar o passamento do cantor e compositor Erasmo Carlos, que conheci ainda nos tempos de Tijuca. Ele era frequentador, ao lado de Roberto Carlos, Wanderléia, Tim Maia e outros, do Bar Divino, na esquina da rua Hadock Lobo (onde eu morava) com a rua do Matoso. Lá se produzia a boa música do movimento chamado “Jovem Guarda”, que se espalharia por todo o país.
Erasmo morreu aos 81 anos, de causas múltiplas. Não posso deixar de lembrar que nos víamos nos tempos de Manchete e Sétimo Céu. Nesta última revista, em 1958, como diretor, criei as fotonovelas brasileiras e tive o privilégio de colocar Erasmo em alguns dos nossos trabalhos, com enorme repercussão para a época. Peguei a revista com a venda de 6 mil exemplares e deixei, três anos depois, com 150 mil. Foi sem dúvida um enorme sucesso.
Na música “Detalhes”, cantada por Roberto Carlos, seu amigo e irmão camarada, Erasmo repetia o refrão “é preciso saber viver”. E ele soube, apesar da cara de mau. Era grandalhão, rebelde, mas os amigos sempre o classificaram como um “gigante gentil”. Lembro de uma palestra de sua autoria, no Teatro Adolpho Bloch, quando Erasmo discorreu com muita propriedade sobre a defesa do meio ambiente. Já na época demonstrava a sua largueza de visão, a sua forma de refletir sobre a humanidade. O Tremendão sempre foi um apaixonado pelo seu Rio de Janeiro: “Eu amo o Rio, com todos os seus defeitos.”
Pioneiro do rock nacional, amigo de fé do rei Roberto Carlos, com quem compôs músicas geniais, demonstrou na verdade que tinha um coração de menino. Dizia que “gente certa é gente aberta”. Como afirmou com muita propriedade o cronista Joaquim Ferreira dos Santos, em “O Globo”, “Erasmo chega ao céu para sentar ao lado de nomes como Vinícius de Moraes, Cazuza, Antônio Maria, Dolores Duran, Lupicínio e Custódio, no trono dos grandes da canção sentimental.”
Enquanto isso, podemos continuar a nos deliciar com letras inspiradas como “você tem todas as coisas que um dia sonhei pra mim”. Ouvir suas letras é um exercício raro de paixão e inspiração.