O diploma não é extravagante


Arnaldo Niskier

 

Provocado por um repórter do muito bem elaborado “Jornal da ABI”, sinto-me no dever, como jornalista militante há quase 60 anos, de escrever alguma coisa sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que cassou a exigência do diploma de nível superior para o exercício da profissão de jornalista. Há duas preliminares: a primeira é a de que isso nada tem a ver com a proclamada e necessária liberdade de expressão; a segunda é a de que o tema não é grave, nem relevante, a ponto de merecer a atenção da Corte Suprema.
 
 Aprendi desde sempre que decisão do Supremo é para ser cumprida. Mas, vivendo numa democracia, ninguém pode nos tirar o direito de discordar, aliás, como fez brilhantemente o Ministro Marco Aurélio Mello, único voto contra no histórico marcador de 8 a 1.
 
Antes de ressaltar os seus ponderáveis argumentos, devo uma explicação que é essencial: fui chefe de reportagem e diretor de jornalismo da revista Manchete, no seu período áureo (1960-1978), trabalhei com centenas de repórteres e jamais senti dificuldade depois que a exigência do diploma foi estabelecida. Ao contrário, foi uma geração de méritos indiscutíveis, na profissão, oriundos de cursos de nível superior que sempre mereceram o meu maior respeito. Posso até confessar que dei uma colaboração decisiva, na época como membro do Conselho Universitário da UERJ, para que fosse criado o seu curso de comunicação.
 
O Ministro Marco Aurélio Mello foi muito claro no seu voto solitário: “Depois de 40 anos é que vamos considerar o diploma extravagante? É possível erro nesse campo? É possível mesmo se detendo curso superior, como é possível erro no campo da Medicina, no campo do Direito, como é possível erro mesmo no âmbito desta Corte, já que a Justiça é obra do homem, sendo passível de falha.”
 
Prossegue o Ministro Marco Aurélio Mello: “Com a exigência facultativa, frustar-se-ão inúmeras pessoas que acreditaram na ordem jurídica e matricularam-se em faculdades... Tendo o profissional o nível superior, estará mais habilitado à prestação de serviços profícuos à sociedade brasileira... Não vejo nada de inconstitucional nessa exigência.”
 
O fato de existirem projetos de lei, no Congresso Nacional, pretendendo regular indevidamente profissões como a de escritor, esteticista, chefe de cozinha ou mesmo babá não pode servir de pretexto para o menosprezo à escolha de muitos jovens pela carreira jornalística, que envolve outro tipo de responsabilidades sociais. Tanto que ela não deve ser predominantemente exercida por “jeitosos”, ou seja, por aqueles que, sendo bons em suas respectivas profissões, onde detêm reserva de mercado, poderão agora invadir uma área nobre que funciona muito bem.
 
Existe um movimento legítimo, no Congresso Nacional, para que uma emenda constitucional restitua os direitos assegurados até aqui pelos que se formam, em nível superior, nas escolas brasileiras de comunicação. Elas são muito procuradas e sua importância não deveria ser reduzida, a qualquer pretexto.