O Clube Hebraica Rio, com muita propriedade, promoveu o evento “Homens de Ação, Homens de Valor – Troféu Aleksander Henryk Laks”, que premia personalidades que se destacam em suas áreas de atuação. É uma justa homenagem ao escritor polonês, radicado no Brasil, falecido em 21 de julho de 2015, que esteve no campo de concentração de Auschwitz. Ele sobreviveu ao Holocausto e depois dedicou todo o tempo de sua existência a mostrar a todos, através de palestras e livros, que é possível vencer as adversidades. Ao participar da solenidade, minha satisfação foi dupla: além de homenagear Aleksander Henryk Laks, também prestigiei o sambista Martinho da Vila, um dos agraciados com o troféu que leva o nome do guerreiro polonês.
Há anos venho acompanhando o trabalho musical de Martinho da Vila. São mais de cinquenta discos lançados, com verdadeiras obras-primas, como “O Pequeno burguês”, “Meu laiá-raiá”, “Memórias de um sargento de milícias”, “Batuque na cozinha”, “Canta canta, minha gente”, "Casa de bamba", "Quem é do mar não enjoa", "Prá que dinheiro", “Menina moça”, “Segure tudo”, “Disritmia”, “Tá delícia, tá gostoso”, “Devagar, devagarinho” e “Mulheres”.
Na literatura, Martinho da Vila já é um veterano. Começou em 1986, com o livro infantojuvenil “Vamos Brincar de política?”, e de lá para cá, chegou a doze obras publicadas. Com essa vasta bibliografia, tornou-se membro efetivo da Academia Carioca de Letras, do PEN Club e da Divine Académie Française des Arts, Letres et Culture, entidade que promove a cultura brasileira na França e, de forma recíproca, a cultura francesa no Brasil e no mundo. Particularmente, tive o prazer de escrever o prefácio e o posfácio do seu sexto livro, “Os Lusófonos”, um misto de romance e autobiografia, lançado em 2006.
Falar sobre as personalidades de Aleksander Henryk Laks e de Martinho da Vila me leva a refletir sobre a questão da religiosidade que envolve a figura de ambos. O primeiro teve uma atuação memorável como presidente da Associação Brasileira dos Israelitas Sobreviventes da Perseguição Nazista. Já em Martinho da Vila, a questão da religiosidade aflora através de sua música, que incorporou as diversas formas de crenças, confirmando a força da miscigenação cultural brasileira. Em 1988, Martinho da Vila foi o autor do enredo que levou a sua escola de coração, a Vila Isabel, ao seu primeiro título, com o tema “Kizomba, Festa da Raça”. Naquele ano, o sambista conclamou a todos a meditar sobre a influência negra na cultura universal, a participação do negro na sociedade brasileira e a discriminação racial.
No livro “Fantasias, Crenças e Crendices”, lançado em 2011, Martinho da Vila procurou mostrar o papel de todas as religiões na vida dos seres humanos, a partir da viagem que fez a Fátima, em Portugal, local de peregrinação ao santuário de Nossa Senhora. A obra traz colaborações importantes, como a do acadêmico Geraldo Carneiro, falando sobre agnosticismo, do rabino Michel Schlesinger, abordando o judaísmo, e do presidente da Federação Brasileira de Umbanda, Manoel Alves de Souza. Reafirmando o seu pensamento, o sambista sintetiza, na música “Sincretismo Religioso”, com muita precisão, a importância do respeito que deve haver entre todos os credos: “Eta, povo brasileiro! Miscigenado,/Ecumênico e religiosamente sincretizado/Ave, ó, ecumenismo! Ave!/Então vamos fazer uma saudação ecumênica/Aleluia – aleluia!/Shalom – shalom!/Al Salam Alaikum! - Alaikum Al Salam!/Mucuiu nu Zambi – Mucuiu!/Ê, ô, todos os povos são filhos do senhor!/Deus está em todo lugar”.