Ensino médio em compasso de espera


Arnaldo Niskier

Desde os anos 1990, batemos na mesma tecla: o ensino médio foi totalmente descaracterizado por decretos e portarias inadequados e oportunistas, assinados sem o devido cuidado. Precisa de mudanças urgentes. Já caminhamos para três décadas de tentativas mal sucedidas. O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do sistema de ensino, definindo o que os estudantes das escolas públicas e particulares devem aprender durante essa etapa. O documento prevê que 60% da carga horária será composta por conteúdo comum para todos os alunos. Já o restante (40%) será flexibilizado, para permitir o aprofundamento em áreas chamadas de “itinerários formativos”: Linguagem, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Ensino Técnico e Profissional. Cada escola deve oferecer, no mínimo, dois itinerários. Será substituída, dessa forma, a antiga fórmula, com as 13 disciplinas obrigatórias durante três anos.
 
O documento enseja o protagonismo dos alunos e torna maleáveis as ações, não definindo os conteúdos que devem ser ensinados nos bimestres de cada ano. A ideia é trabalhar as habilidades e competências exigidas para todo o segmento. Já há críticas relacionadas a uma possível indefinição em relação às disciplinas a serem dadas em sala de aula. Afinal, as escolas saberão trabalhar corretamente com os alunos a opção dos cinco itinerários? Para César Callegari, sociólogo e ex-conselheiro do CNE, a BNCC traz uma série de problemas, sendo o principal deles a redução dos direitos de aprendizagem. Em sua opinião, a forte ênfase no ensino de Português e Matemática, quando não acompanhada de um processo que permita uma visão crítica, articulada, interdisciplinar e criativa por parte dos jovens, torna as disciplinas meramente instrumentais. A preocupação de Callegari é tão grande que ele chega ao ponto de declarar que a proposta representa um risco para os docentes e para o futuro do país.
 
Existem outras questões que incomodam alguns especialistas, preocupados com as graves distorções existentes no ensino médio. Por exemplo: se as únicas disciplinas obrigatórias nos três anos são Língua Portuguesa e Matemática, como ficam outras tradicionais, como Física, Geografia e História? Na verdade, elas são citadas como componentes curriculares que devem ser ensinados dentro de grandes áreas e de forma interdisciplinar. 
 
Devemos ficar atentos para o fato de que, a partir de agora, os estados terão mais autonomia para a criação dos currículos. Acontece que eles atravessam uma crise política e financeira sem igual, e a pergunta que fica é preocupante: será que terão a capacidade necessária para operacionalizar as diretrizes contida na BNCC? Priorizar a educação significa promover investimentos. E sobre a questão do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)? A adaptação da prova de avaliação será tranquila a partir das novas normas? São questões que serão respondidas com o passar do tempo, ao longo da implementação das novas medidas.
 
Não se sabe ainda quando o documento final terá a divulgação oficial para o público. Mas, como a BNCC tem caráter normativo, não haverá necessidade de votações no Congresso Nacional, nem será preciso passar pela sanção presidencial. A única obrigação constitucional prevista para a efetiva implantação do BNCC é a homologação por parte do Ministério da Educação, o que esperamos que venha a ocorrer ainda em 2019, na gestão do ministro Ricardo Vélez Rodríguez.