Um campeão de intolerância
Arnaldo Niskier
Vez por outra ressurge na cena brasileira a figura do escritor Gustavo Barroso, que foi um dos mais notáveis antissemitas do nosso país. Agora mesmo, o seu nome aparece no livro “Dez mitos sobre os judeus”, escrito pela historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro. Barroso, que na década de 30 foi diretor do Museu Histórico Nacional e chegou à presidência da Academia Brasileira de Letras, propagava o mito de que os judeus dominavam a economia mundial.
Os intelectuais integralistas tinham como leitura de cabeceira a obra apócrifa “Os Protocolos dos Sábios de Sião”, em que os judeus, aliados às lojas maçônicas, são considerados monstros, répteis venenosos, que amedrontam a humanidade com sua ambição desmesurada. Na sua obra “Sinagoga Paulista”, Editora ABC, 1937, Barroso utiliza o argumento de que São Paulo estava sendo dominada por uma “sinagoga de judaizados, judaizantes e banqueiros judeus, o que estava levando a economia cafeeira à ruína”, o que era uma evidente infâmia.
É do livro citado o seguinte trecho: “O Brasil não passa de uma colônia de judeus vorazes, que são misteriosamente auxiliados nas suas negociatas e empreitadas por individualidades das altas esferas nacionais.” E coloca sob suspeição famílias ilibadas, como os Láfer, os Klabin, os Ermírio de Moraes, na constituição da Companhia Nitro Química Brasileira. Era a política desenvolvida pelos integralistas
liderados por Plínio Salgado, na ocasião.
Embora escritor talentoso, o autor do clássico “Terra de sol”, com o pseudônimo de João do Norte, em que focalizou os costumes do sertão cearense, Gustavo Barroso, na política, operava com a mais absoluta ausência de escrúpulos. Era declaradamente antissemita. O livro “A História Secreta do Brasil”, foi publicado em seis volumes, a partir de 1937, com a narração de episódios como a participação de judeus em rituais de sacrifício no sertão baiano até a sociedade secreta da Faculdade de Direito de São Paulo (chamada de “A Bucha”). Criticava a dominação estrangeira e de grupos de banqueiros
internacionais.
Os seus comentários eram radicais: “Na primeira década do século XVIII, o judaísmo atacou, ao mesmo tempo, os possuidores da riqueza no Brasil, a fim de se apoderar delas, no Sul e no Norte. Atacou os paulistas, donos das minas de ouro, e os pernambucanos, donos das minas de açúcar... Esses inimigos dos brasileiros não eram mais do que judeus portugueses disfarçados, na grande maioria provenientes do Minho... Todos esses israelitas ou cristãos-novos se ocultavam sob a capa de católicos e usavam velhos nomes portugueses”.
O radicalismo de Gustavo Barroso não arrefeceu mesmo após a decretação do Estado Novo, em 1937, sucedendo-se as críticas aos banqueiros internacionais, especialmente a família Rothschild, cujo poder financeiro teria substituído o poder militar de Napoleão. Segundo a lenda, o governo brasileiro não poderia pensar num empréstimo sem primeiro discuti-lo com os representantes do grande banqueiro: “O empréstimo de 1824, portanto, escravizou-nos por mais de um século ao grão-senhor judaico!”
Barroso era impiedoso e no seu livro publica a seguinte legenda: “Manuel de Carvalho Paes de Andrade, quando chefe de Revolução de 1824. A fisionomia judaica é inegável”. Vejam até que ponto chegava a sua idiossincrasia.