Viva João Ubaldo Ribeiro


Arnaldo Niskier

Em pouco tempo, a Academia Brasileira de Letras sofreu três perdas irreparáveis: Luiz Paulo Horta, Ivan Junqueira e João Ubaldo Ribeiro. Notáveis escritores e jornalistas, abriram um enorme desfalque, na Casa de Machado de Assis.
 
João Ubaldo nos deixou aos 73 anos de idade, vítima de uma traiçoeira embolia pulmonar. Espírito alegre, primoroso contador de “causos”, foi autor de dois 
livros considerados entre os 100 melhores romances do século passado: Sargento Getúlio, de 1971, e Viva o povo brasileiro, de 1984.
 
Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia, onde lecionou  a Escola de Administração e na Faculdade de Filosofia, preferiu o magistério, o jornalismo e a literatura, onde produziu obras luminosas, de grande sucesso.
 
Há dois anos, em companhia de Ana Maria Machado, realizou conferênciana Sorbonne, falando sobre a sua obra para 120 alunos. Tive o privilégio de assistir à sua aula-show e me comovi com a reação dos alunos. Ao final, de pé, aplaudiram demoradamente o orador, que, tímido como era, não sabia onde colocar as mãos ou fixar o seu sorriso. Pareceu se surpreender com aquela entusiástica reação. Tudo muito merecido.
 
Nascido em Itaparica, na Bahia, onde viveu sete anos, Ubaldo recolheu do seu folclore uma série de personagens que fizeram a delícia das suas crônicas no jornal 
O Globo. Da mesma forma como se tornou um mito do moderno romance brasileiro. Sua obra, segundo críticos conceituados, talvez resuma o melhor de Graciliano Ramos 
e o melhor de Guimarães Rosa, daí o seu sucesso. Retratou de forma perfeita a cultura e os costumes do Nordeste brasileiro, particularmente de Sergipe, onde viveu seus 
primeiros anos de existência, admirando os trabalhos do pai como professor e político. Aos 21 anos de idade, escreveu o primeiro livro, Setembro não tem sentido, que 
preferia ter batizado de A Semana da Pátria. Prevaleceu a opinião do editor.
 
Uma característica do nosso saudoso acadêmico, que se deve ressaltar, é a grande paixão pelos estudos. Passou um ano em Lisboa, depois morou em 1990 e 1991 em Berlim, a convite do Instituto Alemão de Intercâmbio e adquiriu o título de Master os Science em Administração Pública e Ciência Política pela Universidade da Califórnia do Sul (EUA). Além disso, pôde enriquecer a sua formação literária participando do International Writing Program, da Universidade de Iowa, destinado a jovens escritores. Com a sua fulgurante cultura, tornar-se-ia também tradutor, com a alegria de ver as suas obras vertidas para diversas línguas, entre as quais o alemão, o sueco, o inglês, o francês, o italiano, o finlandês, o dinamarquês e o hebraico.
 
Teve obras adaptadas para o cinema (Sargento Getúlio) e inúmeras outras para a televisão (O sorriso do lagarto, O santo que não acreditava em Deus, O compadre de Ogum, O poder da arte e da palavra e Danada de sabida). Da sua fértil produção constam também diversas teses e dissertações. Um autor completo, que nos deixa antes do tempo, com uma brilhante passagem pela cultura brasileira.