Merval e o mensalão


Arnaldo Niskier

 

Raramente, a Livraria Travessa, no Leblon, terá recebido tamanha plateia, para ouvir uma preleção do jornalista e escritor Merval Pereira, seguida de autógrafos. A fila dava voltas no interior do imenso espaço, prova evidente de dois fatores: a popularidade do autor e o interesse pelo histórico do Mensalão, que ocupou quatro meses e meio de intensas atividades do Supremo Tribunal Federal.

 O livro “Mensalão, o dia a dia do mais importante julgamento da história política do Brasil” tem o prefácio (aliás, muito bem escrito) do ex-ministro Carlos Ayres Britto. São suas palavras: “Não dá para prosseguir na cultura da impunidade, que a tanto se opõe o princípio tão jurídico quanto civilizado de que a lei é para todos; ou seja, princípio de que ninguém, republicanamente ninguém, está acima do bem e do mal.”
 
O resultado é que 25 pessoas foram condenadas por ilicitudes de toda espécie – e os pormenores do extenso julgamento foram acompanhados pari-passu por Merval, na sua apreciada coluna diária de O Globo. Os comentários eram tão interessantes que lhes vou contar um “causo”: todas as vezes que Merval comparecia à Academia Brasileira de Letras, ouvia de algum confrade a mesma frase: “Amigo, o artigo de hoje é o melhor de todos.” Foi num crescendo e a opinião pública tomou conhecimento de forma ordenada e crítica de tudo o que se passava nos bastidores e no plenário da nossa Corte Suprema.
 
Merval, ele mesmo um multimídia, pois está presente igualmente na Rádio CBN e na televisão Globo News, mostrou corajosamente todas as indecorosas trocas havidas, como a história do jipe entregue a um prócer político por serviços prestados a uma empresa privada ou viagens e operações plásticas trocadas por integrantes do governo por audiências com autoridades. Louve-se o comportamento irrepreensível dos nossos maiores juízes, à frente dos quais o país se curvou, agradecido, no caso exemplar do ministro Joaquim Barbosa. Suas intervenções, sempre muito sérias, foram admiráveis.
 
O livro não tem só os artigos do jornal, mas há capítulos inéditos, em que o autor diz, por exemplo, que “o julgamento do caso só aconteceu nove anos depois de os fatos ocorrerem, sete anos depois de denunciados e cinco depois do início do processo. Num país em que, de maneira geral, políticos não vão sequer a tribunal, 38 réus ligados direta ou indiretamente ao governo que está no poder julgados pela última instância do Poder Judiciário é fato que por si só fortalece a democracia brasileira.”
 
 Nesse livro, editado pela Record, e que caminha célere para a segunda edição, Merval toca seguidamente na Lei da Ficha Limpa, aprovada por pressão direta da sociedade sobre o Congresso, para concluir que “no atual estágio em que nos encontramos, é sintomático que o povo tenha escolhido seu herói entre os ministros do Supremo, enquanto militantes partidários tentam em vão transformar em heróis alguns dos réus condenados.” É uma obra histórica da nossa literatura.