A glória de Niemeyer
Arnaldo Niskier
— Eu não mereço!
De cabeça baixa, olhos voltados para o chão, com as mãos entrelaçadas nas da esposa Vera, o arquiteto Oscar Niemeyer, aos 102 anos de idade e inteiramente lúcido, recebeu da Academia Brasileira de Letras a Medalha João Ribeiro, “pelos relevantes serviços prestados à cultura nacional.”
Modesto, afável, incansável, cercado de parentes e auxiliares, o criador de Brasília respondeu às amáveis e oportunas palavras do presidente Marcos Vilaça:
— O trabalho me absorveu a vida inteira.
Lembrou o longo convívio com Rodrigo Melo Franco de Andrade, no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, “onde adquiri uma experiência que foi fundamental na minha vida. A ele devo muito!” Foi a partir desse fato que surgiu a oportunidade de trabalhar com o arquiteto Le Corbusier, no projeto até hoje elogiado do edifício do Ministério da Educação (atual Palácio da Cultura), no Rio de Janeiro.
Continuando a falar baixinho, visivelmente à vontade, em seu escritório, o grande arquiteto lembrou que nasceu de uma família religiosa: “Apesar disso, não acredito que exista outra vida depois da morte. Morreu, acabou.” Com um suave sorriso, completou o seu pensamento, recordando as muitas conversas com o amigo Darcy Ribeiro: “Fundamental mesmo é a existência da mulher!”
Olhou para os lados, para verificar se alguém era contrário ao pensamento. Houve aplausos.
Curioso é que havia no ar como que um complô para poupar Niemeyer. “Ele deve estar cansado”, diziam os mais chegados. Mas não havia como parar a inspiração do mestre: “Nossa realidade é terrível. A vida está difícil, apesar do sucesso do Lula. Tenho muita admiração por ele. Veio de baixo, família pobre, chegou onde chegou. É um fenômeno!”
Comparou Lula a Machado de Assis: “Esse também veio de baixo e alcançou o sucesso que todos conhecemos. Fundou a Academia Brasileira de Letras, foi uma incrível personalidade.” Não houve discordância, até porque a plateia era, na sua maioria, constituída de imortais: Marcos Vilaça, Ana Maria Machado, Domício Proença, Murilo Melo Filho, Cícero Sandroni e Nélida Piñon, além do autor destas linhas.
Oscar afirma que continua trabalhando. Há sempre encomendas. “Só não trabalho às sextas-feiras à tarde, porque é dia em que recebo no meu escritório um professor de física, que está explicando “pra gente” os mistérios do cosmo. Há sempre coisas que desconhecemos.”
Ainda há tempo para, de medalha João Ribeiro no peito, falar de uma obsessão: “Fico muito preocupado com os jovens de hoje. Não estão lendo quase nada e isso não é bom. Gostaria de ver as universidades preocupadas com o problema da leitura desses meninos e meninas. Eles têm que fazer isso de forma rotineira, como aprendi com Rodrigo Melo de Andrade, que me recomendava bons livros para ler.” Oscar Niemeyer, gênio da arquitetura brasileira.