Maimônides na América


Arnaldo Niskier

Valderez Ferreira Braga tem um admirável currículo. Com a cultura amealhada em seus diversos cursos nacionais e internacionais, é autora da obra Rumos Culturais da Constelação USA: um olhar verde e amarelo (Ed. Manole, 2017), de grande significância na literatura pedagógica universal. 
Com um estudo consistente, ao longo de 745 páginas, a autora destaca a notável contribuição judaica na construção dos Estados Unidos, especialmente se valendo dos conhecimentos de Maimônides, médico e filósofo espanhol, conhecido como “o sábio de Córdoba”. Os seus 613 preceitos fincaram raízes na formação do país, que deu ao mundo incríveis pensadores, como John Dewey, mestre de Anísio Teixeira. 
 
A obra de Valderez destina-se a facilitar o contato do leitor com o contexto socioeconômico, político e cultural do povo norte-americano, com início na época colonial. É revisitado pelo olhar verde e amarelo da autora misturado ao olhar vermelho, branco e azul, durante um convívio presencial em épocas diferentes – no final da década de 1960, já em meados da década de 1970, prosseguindo pela década de 1980, no mandato presidencial de Reagan – avançando para uma rede de contatos antigos, e novos com o recurso da virtualidade, intensificando trocas e reflexões. 
 
Objetivando a leitura crítica de uma cultura mais complexa e ambígua do que possa parecer à primeira vista, o texto evita exortações e demonizações, sem ceder ao risco de cair em amenidades. De acordo com o embaixador Rubens Barbosa, presidente do conselho Superior de Comércio Exterior da Federação das Indústrias de SP, autor da introdução, “a combinação de fontes históricas e atuais com a vivência nos EUA fornece a oportunidade para um exame original de alguns dos principais aspectos da sociedade norte-americana. Essa sensibilidade explica os capítulos sobre a importância e as consequências da Guerra Civil sobre as relações humanas, políticas e culturais do país. Para entender os EUA, é preciso conhecer os graves acontecimentos dessa guerra fraticida que o dividiu.”
 
De acordo com a Constituição norte-americana, a educação pública é de responsabilidade do governo estadual. Tive o ensejo de conhecer de perto essa realidade, estagiando em 2002 na região de New England, particularmente na Suffield Academy. Os conhecimentos lá adquiridos foram de extrema utilidade para aplicar na construção da Escola Sesc de Ensino Médio do Rio de Janeiro, de cuja equipe inaugural fiz parte. 
 
Os EUA possuem 50 sistemas de ensino que diferem entre si, mas têm a participação do empresariado em educação/pesquisa, com nítida aversão à centralização federal. Isso foi sempre uma característica daquele país, cuja legislação deve muito às tradições hebraicas e bíblicas, desde o primeiro reduto colonial. Aí seria de inteira justiça lembrar a contribuição dos judeus que deixaram o Recife, para colaborar na fundação de Nova Iorque. Pensar hoje na pujança norte-americana, com uma visão verde e amarela, é sem dúvida um ato de justiça.