Bethânia Brilha na FLIPORTO
Arnaldo Niskier
O escritor Antônio Campos, criador e curador da Fliporto, que é a Feira do Livro Internacional de Pernambuco, já em sua 8ª. versão, não se conformou em trazer inúmeras atrações nacionais e internacionais para o evento. Dessa vez, entrou firme na discussão sobre inclusão digital. O cineasta Neville de Almeida, numa das sessões, além de falar do seu novo livro, “A dama da internet”, escrito em parceria com Ricardo Amaral, também presente, abordou a complicada celeuma sobre o pagamento de direitos autorais: “Os donos dos meios de difusão ficam cada vez mais ricos e os escritores, mais pobres. É preciso corrigir isso desde logo.”
A Fliporto homenageou o centenário de Nelson Rodrigues. Nelson Rodrigues Fº. falou sobre o pai e o seu irresistível gosto pela pitanga e o caju e outros autores fizeram o mesmo, como o consagrado escritor e cronista Ruy Castro, que deu detalhes da elaboração do seu bem sucedido “Anjo pornográfico”.
Houve muita festa por toda a cidade de Olinda, por onde passaram 80 mil pessoas, nos quatro dias da Feira, que abriu com um magnífico recital a cargo de Maria Bethânia, aplaudida de pé por mais de 1.000 pessoas. Como sempre, cantou descalça. Valorizou as palavras, a poesia, e defendeu a missão dos professores em classe, para inocular no espírito de crianças e jovens o gosto pela literatura. Disse-me, depois do show, que devia muito da sua formação ao professor e poeta Nestor de Oliveira, com quem ela e o irmão Caetano aprenderam a apreciar, no Ginásio Severino Vieira, em Santo Amaro (Recôncavo Baiano), “as delícias dos trabalhos de poetas e cantores, como Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Villa-lobos, Antonio Maria e Ascenso Ferreira.”
Mas foi com a temática do sertão que ela incendiou a plateia, cantando o “ABC do Sertão”, de Luiz Gonzaga, e “Lamento Sertanejo”, de Dominguinhos. Isso tudo no meio de uma leitura tocante de “Navegar é preciso”, de Fernando pessoa. Ela fez jus, amplamente, ao seu renome.
Outro bom momento da Fliporto, que também lembrou o escritor Álvaro Lins, foi o acalorado debate, intitulado “Do big-bang ao boing-boing”, com os especialistas Robert Darnton, Cory Doctorow e Sílvio Meira. Muita riqueza nos conceitos discutidos sobre o futuro do livro impresso.
A programação infantil, que começou no bate-papo com o ilustrador pernambucano Braga Câmara, foi outro encanto da festa. Fez sucesso a tenda do Sesi, onde crianças de 3 anos em diante podiam fazer os seus desenhos e ler livros infantis de procedências variadas. Mas o maior destaque, uma verdadeira obra-prima, foi a inauguração da Casa do Livro Infantil e da Leitura em Olinda, uma feliz iniciativa de Antônio Campos: “Resolvi que deveríamos ter um espaço permanente para ações de leitura e de formação de jovens leitores, bem como de valorização do livro.” Cerca de 3 mil crianças, assistidas inclusive na alimentação, já estão frequentando o espaço, montado com muito bom-gosto. É uma forma inteligente de tirá-las da pobreza, que ainda existe muito na cidade histórica.
Devemos destacar ainda a presença do incomparável dramaturgo e poeta paraibano Ariano Suassuna, com a sua aula-espetáculo. Falou mal do Conde Maurício de Nassau: “Os holandeses eram muito burros: construíram Recife ao nível do mar e vivemos enchentes inomináveis. Enquanto isso, os portugueses fizeram Olinda nas partes altas dos morros – e é uma cidade belíssima e única.” Ariano foi bastante aplaudido.