À sombra dos escritos em flor
Arnaldo Niskier
Como instituição cultural de primeira grandeza, a Academia Brasileira de Letras não poderia deixar de lidar, em certos momentos, com a vida e a obra do renomado escritor francês Marcel Proust. Suas longas frases não assustaram escritores calejados como Alceu Amoroso Lima, José Lins do Rego e a minha estimada Rachel de Queiroz. Lidaram com o autor de “Para o Lado de Swan” e a “À sombra das moças em flor", mesmo sabendo da fama de que a sua obra era considerada "difícil".
Outros autores, como os amigos Rosa Freire d'Aguiar, minha colega da redação da revista "Manchete", e Cláudio Aguiar ("O último romance de Proust") trataram do autor dos sete volumes de "Em busca do tempo perdido" com a propriedade e a competência que deles se esperava. No caso deste último, pernambucano de boa cepa, ele cria, o que pode ser uma notável obra de ficção, um livro em que um contrabandista de obras de arte inglês envia a Olinda três auxiliares com a missão de roubar os manuscritos do que seria o seu último livro. A trama, situada em 1972, segue um caminho cheio de alternâncias ou reviravoltas.
A atual exposição da obra de Proust, revivendo o que aconteceu na Biblioteca Nacional da França, com a apresentação ação de "Marcel Proust: La Fabrique de l'oeuvre" exibe um mergulho na produção da sua obra-prima, com pinturas, roupas de época e documentos descobertos recentemente. É o que acontece também na Biblioteca Pública de Porto Alegre, com a mostra de documentos, manuscritos e rascunhos do escritor francês.
Além do universo estético do seu tempo, Proust foi um dedicado usuário da pintura e da música, o que valoriza enormemente a sua extraordinária obra. Assim ele passa o tempo todo perguntando se vai ou não começar o seu livro. Quando o leitor se dá conta disso, a leitura já chegou ao fim.
Num primeiro momento, Proust produz sequências de textos isolados. Só organiza a narrativa num segundo momento. E assim ele desenvolve o seu trabalho, como se vê nas suas impressionantes memórias, com as características proustianas de supressões, deslocamentos e corta-cola da sua obra genial. A exposição de Porto Alegre expressa isso de forma bastante competente, como quis o seu curador Gilberto Schwartsman.