Canecão pode ser a próxima tragédia
Arnaldo Niskier
Uma coisa tem me inquietado nos últimos tempos, e durante uma sessão na Academia Brasileira de Letras pude relatá-la com detalhes, buscando apoio dos meus colegas acadêmicos. Vamos aos fatos. Recentemente estive observando a entrada da casa de espetáculos Canecão, em Botafogo, que está fechada há sete anos, sem obras de reforma e sem solução para o imbróglio administrativo que envolve, de um lado, aqueles que lutam pela sua reinauguração, e de outro, a direção da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, responsável legal pelo espaço cultural. O que se comenta é que a UFRJ não admite que haja um outro comando que não seja o dela. É o caso de se questionar: onde está escrito e por que uma universidade federal deve comandar uma casa se espetáculos com as características do Canecão?
A sensação que me deu foi de grande apreensão, pois o local, que já abrigou shows históricos, “está em petição de miséria”, para pegar fogo basta que uma ponta de cigarro seja atirada em seu interior. Fiquei com a impressão de que ali pode estar sendo escrita a próxima tragédia. Será que o que ocorreu recentemente no Museu Nacional não serve de exemplo para que haja mudanças na mentalidade desses dirigentes? Corroborando a minha preocupação, o acadêmico José Murilo de Carvalho informou que está havendo uma mudança na política da UFRJ, o que deve permitir que o Canecão possa ser administrado por quem se responsabilizar por manter a casa em boas condições. Vamos torcer para que isso ocorra, e de preferência, o mais rápido possível, antes que o pior aconteça.
Já que me veio à lembrança a recente tragédia que destruiu 200 anos de nossa história no Museu Nacional, lembrei de uma conversa que tive com Israel Klabin, que foi prefeito do Rio de Janeiro e tem grandes preocupações com as questões culturais e econômicas da cidade. Ele conseguiu junto ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) a promessa de um empréstimo de US$ 80 milhões para o museu, que seriam usados na aquisição de maquinários para segurança e de elementos que completariam as coleções que lá existiam. Por incrível que pareça, a UFRJ recusou a ajuda.
O Conselho Universitário da UFRJ alegou que teria de ceder a tutela do museu a pessoas indicadas pelo BID, ou seja: não se admite outro comando que não aquele exercido pelos indicados dos partidos políticos responsáveis pelas administrações dos equipamentos culturais. É inadmissível que estejamos sendo cúmplices dessa politização absurda que acontece nas universidades oficiais, e que está bastante acentuada e prejudicando a cultura brasileira, como bem destacou a acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira. Lamentável o posicionamento político da UFRJ e parabéns ao empresário Israel Klabin, que teve a coragem de assumir a decisão de procurar uma solução, mas que infelizmente foi rejeitada.
Quem também se manifestou na reunião da Academia Brasileira de Letras sobre o assunto foi o acadêmico Alberto da Costa e Silva, que observou, com muita propriedade, a diferença de entendimento existente em relação ao que o Museu Nacional representava para o mundo. Enquanto no Brasil as autoridades pareciam não ter a mínima ideia da perda histórica que a cultura estava tendo, o presidente de Portugal tinha perfeita consciência da importância do museu, não apenas como um museu brasileiro, mas internacional. Precisamos urgentemente mudar a nossa mentalidade em relação às questões culturais.