A Língua do Diabo
Arnaldo Niskier
Numa aplaudida conferência na Academia Brasileira de Letras, o escritor José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, afirmou convictamente que “a língua portuguesa é muito linda.” Concordamos, acrescentando: linda e difícil. Ninguém pode se iludir com a musicalidade do nosso idioma, oriundo do latim vulgar. Hoje falado por 235 milhões de pessoas, espalhadas pelo mundo inteiro.
No último levantamento feito por filólogos brasileiros, como se expressa no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela ABL, trabalhamos com 360 mil verbetes. Quem tiver o pleno domínio de 10% desse total será capaz de escrever adequadamente, como exige a norma culta nem sempre bem compreendida do nosso cotidiano.
Estamos começando a adotar os critérios do Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa. Jornais como “O Estado de São Paulo”, de longa tradição em nossa imprensa, prometem respeitar os novos termos, com a grafia unificada que terá grande importância, no concerto internacional, do ponto-de-vista estratégico. Por isso mesmo, o sucesso dessa implementação dependerá fundamentalmente da adesão dos professores. Se houver relaxamento, na matéria, pode-se estimar uma grande bagunça no trato da língua.
Outro dia, conversando com alguns acadêmicos, surgiu uma acesa discussão sobre o emprego do internetês. Um deles chegou a proclamar que se trata da “língua do diabo”, tal a sua indignação com o que algumas escolas têm estimulado no espírito dos alunos que passaram a dominar o uso do computador. Nossa opinião não é tão radical, mas é preocupante que os adolescentes estejam usando, na sua intercomunicação, vocábulos inventados, sob o pretexto discutível de facilitar as coisas. Isso não os afasta irremediavelmente dos padrões cultos que serão exigidos nas provas e concursos posteriores?
A propósito, permitimo-nos discordar da polêmica levantada pelo professor João Wanderley Geraldi, da Unicamp/SP. Em conferência na cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul, com o brado de “mais textos, menos gramática”, defendeu que a forma de comunicação usada na Internet “é um fenômeno lingüístico muito mais importante do que qualquer acordo ortográfico que o Brasil assine com Portugal”. E exagerou: “Esse acordo não representa nada do ponto-de-vista lingüístico. As mudanças objetivam apenas atender os interesses de mercado.”
É uma acusação despropositada. O assunto está sendo tratado há mais de 20 anos. De parte do Brasil, a liderança sempre foi do insuspeito filólogo e acadêmico Antonio Houaiss. Em sua argumentação, ele sempre procurou agir de forma a respeitar a soberania, os usos e costumes dos países da comunidade lusófona. As modificações propostas não chegam a abranger 1,5% dos vocábulos em suão da CPLP, o que torna absurda a argumentação do professor da Unicamp de que “as alterações são desnecessárias e alteram, fundamentalmente, a ortografia de Portugal”. De onde terá saído essa idéia?
Comparando o fenômeno com o uso de gírias e estrangeirismos, o prof. Gerald acha que a principal inovação, hoje, é o modo como os jovens escrevem nos chats, na Internet. Proclama: “É uma nova ortografia que está surgindo.” Na nossa opinião é um exagero, modismo importado, que só dificulta a apreensão dos conhecimentos necessários. Isto ainda vai render muita discussão.